O Comitê de Supervisão do Facebook (Oversight Board) foi criado em 2020 com um objetivo em mente: garantir o respeito à liberdade de expressão por meio do julgamento independente.
Administrando uma rede com mais de dois bilhões de usuários, tornou-se muito difícil para a empresa Facebook lidar com conteúdos problemáticos.
Como decidir se uma publicação deve ou não ser publicada? Quais os limites entre censura e a liberdade de expressão dos seus usuários? Como evitar que fake news coloquem em risco desde a saúde das pessoas até a democracia de países inteiros?
A solução pensada foi criar um órgão independente, com orçamento milionário, para analisar questões como essas e, se preciso, limitar o próprio poder do Facebook.
Para avaliar essa solução, veremos em detalhes neste artigo:
- As razões para a criação do Comitê de Supervisão do Facebook
- O que é o Facebook Oversight Board
- Como funciona o Comitê de Supervisão do Facebook
- Perspectivas para o futuro do Facebook Oversight Board
O objetivo é entender as características do chamado Tribunal do Facebook, conhecer os seus integrantes e prever se as decisões do órgão serão de fato cumpridas pelos aplicativos do grupo empresarial.
As razões para a criação do Comitê de Supervisão do Facebook
Empresas de tecnologia da informação e comunicação têm tido grandes dificuldades em lidar com conteúdos gerados pelos usuários que violam princípios do direito, leis e até mesmo regras de uso das plataformas digitais.
Discursos de ódio, fake news, exposição de intimidades, publicidade enganosa e muitos outros conteúdos problemáticos publicados no mundo digital têm trazido sérias consequências no mundo real.
Diante de inúmeros pedidos de pessoas, empresas e até mesmo do Poder Judiciário, as empresas de TI se veem obrigadas a analisar o que deve ou não ser retirado do ar, o que pode ou não ser publicado.
Esse tipo de julgamento precisa de transparência. Caso contrário, as plataformas digitais que hoje têm força até mesmo para mudar os rumos das eleições de um país vão decidir sozinhas e a seu bel prazer o que pode e o que não pode ser publicado.
Para evitar essa concentração de poder, o Facebook decidiu criar um órgão independente com a finalidade de fazer um julgamento independente desses conteúdos programáticos a fim de garantir o respeito à liberdade de expressão.
Nasceu, assim, o Comitê de Supervisão do Facebook.
O que é o Facebook Oversight Board
O Comitê de Supervisão do Facebook é um órgão independente da empresa principal, com orçamento autônomo, criado para responder questões difíceis sobre o tema da liberdade de expressão online: quais conteúdos remover, quais permitir e principalmente por que se está removendo ou permitindo um conteúdo.
Por conta de seu poder de julgamento, o Oversight Board já tem ficado conhecido como o Tribunal do Facebook. Isso porque tudo o que o Comitê decidir terá que ser cumprido pelo Facebook. A decisão é vinculante.
Por exemplo, se o Comitê decidir que determinada publicação deve ser excluída da rede por veicular conteúdos racistas, o Facebook será obrigado a remover a publicação.
Isso não significa que o Facebook vai interromper as análises que já faz atualmente, tanto por meio de seus algoritmos quanto por avaliação manual. Esses processos internos continuarão existindo, porém os casos mais emblemáticos serão enviados para o Oversight Board julgar de forma independente.
Como funciona o Comitê de Supervisão do Facebook
O Comitê de Supervisão do Facebook será composto por no mínimo 11 e até 40 membros do mundo todo, com diferentes formações acadêmicas. Cada membro será remunerado pelo trabalho e servirá por um mandato de três anos, por um máximo de três mandatos.
No início de maio de 2020, os primeiros 20 foram anunciados, incluindo o advogado brasileiro Ronaldo Lemos, diretor do ITS Rio e ex-vice-presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.
Os membros do Oversight Board não serão subordinados ao Facebook. A ideia é que o Comitê seja independente da empresa, permitindo que os membros possam selecionar casos de conteúdo para análise e manter ou reverter as decisões do Facebook sobre conteúdos problemáticos.
Princípios do Comitê de Supervisão do Facebook
1. Independência
O comitê é uma entidade separada da empresa do Facebook e prestará um julgamento independente em casos individuais e em questões de políticas. O comitê e sua administração são financiados por um trust independente.
2. Acessibilidade
As pessoas poderão apelar para o comitê das decisões sobre conteúdo tomadas pelo Facebook e pelo Instagram. Qualquer pessoa cujo conteúdo o comitê selecionar para análise terá a oportunidade de compartilhar uma declaração explicando sua posição.
3. Autoridade
O comitê tem autoridade para decidir se o Facebook e o Instagram devem permitir ou remover o conteúdo. Essas decisões são vinculantes, a menos que a implementação delas configure uma violação da lei. O comitê também pode optar por emitir recomendações de políticas de conteúdo à empresa.
4. Transparência
O comitê compromete-se a divulgar publicamente declarações sobre suas decisões e justificativas. Todas as decisões serão publicadas e arquivadas no site do comitê. Além disso, o comitê divulgará relatórios anuais sobre seu trabalho.
O Estatuto do Comitê de Supervisão do Facebook contém seis artigos, explicando a composição do órgão, os procedimentos para análise dos conteúdos, a forma como as decisões serão implementadas e como o órgão será financiado.
A previsão é que o Comitê tenha um orçamento inicial irrevogável de US$ 130 milhões.
Perspectivas para o futuro do Facebook Oversight Board
A criação de conselhos de supervisão independentes é uma prática já bem estabelecida no mundo empresarial, quase sempre para analisar questões de gestão.
A iniciativa do Facebook parece louvável no sentido de diminuir a concentração de poder da empresa, que adquiriu uma capacidade de influência maior do que a de países inteiros.
A questão agora será observar a efetividade das medidas. O Estatuto não deixa muitas brechas para que as decisões do Comitê de Supervisão do Facebook não sejam cumpridas.
Assim, o ponto crucial será a qualidade das análises em si e a transparência em relação às decisões.
Pela leitura do Estatuto, me parece que a avaliação ficará restrita aos conteúdos em si. No entanto, pouco se fala sobre os critérios para exibição desses conteúdos.
O algoritmo que define quais conteúdos são mostrados a quais pessoas é uma das caixas-pretas não apenas do Facebook, mas de quase todas as redes sociais e máquinas de busca na internet.
O Estatuto do Tribunal do Facebook dispõe que todas as decisões serão disponibilizadas publicamente e arquivadas em um banco de dados de decisões sobre os casos no site do Comitê, sujeito a restrições de privacidade e dados.
Outra questão diz respeito à capacidade limitada do comitê. Em uma rede com bilhões de usuários, a capacidade de análise de um conselho formado por 11 a 40 pessoas que não são dedicadas exclusivamente a isso parece reduzida. Mesmo considerando que somente uma quantidade seleta de casos será repassada ao Comitê. Uma saída talvez seja, no futuro, criar Comitês regionalizados para descentralizar o trabalho.
De uma forma geral, o experimento institucional do Facebook parece bastante interessante. Resta-nos acompanhar como serão na prática observados os princípios de independência e transparência atribuídos ao Comitê.