Como funciona o Bitcoin sob a ótica do Direito: monografia sobre regulamentação jurídica de moedas virtuais

Como funciona o Bitcoin

Como funciona o Bitcoin, uma moeda virtual inventada por uma pessoa que ninguém sabe quem é?

Como a legislação trata o Bitcoin no Brasil? Minerar Bitcoin é crime? Como é a tributação das moedas virtuais?

O que faz milhões de pessoas gastarem dinheiro em algo que não é emitido por nenhum governo?

Essas foram algumas das perguntas que procurei responder na minha monografia de conclusão do curso de Direito, chamada Regulamentação Jurídica de Moedas Virtuais, defendida em junho de 2017.

Neste artigo, vou ressaltar alguns dos pontos mais importantes que aprendi sobre regulamentação de moedas virtuais, incluindo:

Ao final, você poderá baixar um PDF com a íntegra da monografia para se aprofundar sobre o assunto.

Antes, no entanto, vamos ver como a história do dinheiro mostra como algo como uma moeda virtual tornou-se possível.

A história do dinheiro até a sua virtualização

Quando comecei a produzir a monografia, a ideia era começar falando sobre como funciona o Bitcoin.

Mas antes disso uma pergunta me veio à mente…

Como o dinheiro surgiu?

Se você buscar a resposta para essa pergunta em qualquer autor clássico, eles vão dizer que o dinheiro surgiu como uma forma de tornar a troca mais eficiente.

Essa explicação é feita de maneira clara no clássico A Riqueza das Nações:

Quando a divisão do trabalho estava apenas em seu início, este poder de troca deve ter deparado frequentemente com grandes empecilhos. O açougueiro tem consigo mais carne do que a porção de que precisa para seu consumo, e o cervejeiro e o padeiro estariam dispostos a comprar uma parte do produto. Entretanto, eles não têm nada a oferecer em troca, a não ser os produtos diferentes de seu trabalho ou de suas transações comerciais, e o açougueiro já tem o pão e a cerveja de que precisa para seu consumo. A fim de evitar o inconveniente de tais situações, toda pessoa prudente, depois de adotar pela primeira vez a divisão do trabalho, deve naturalmente ter se empenhado em conduzir seus negócios de tal forma que a cada momento tivesse consigo, além dos produtos diretos de seu trabalho, certa quantidade de alguma outra mercadoria. Mercadoria tal que, em seu entender, poucas pessoas recusariam receber troca do produto de seus próprios trabalhos.

Trocando em miúdos…

Em outras palavras, qualquer grupo de pessoas, para facilitar o esquema de trocas, podia eleger um tipo de bem que fosse aceito pelos demais como meio de troca.

Com o tempo, o ouro e a prata acabaram se tornando escolhas naturais, por serem duráveis, maleáveis, portáteis e raros.

Essa origem do dinheiro é muito conhecida e também serve para explicar como funciona o Bitcoin. Em vez de eleger um bem físico para servir como meio de troca, as pessoas elegem um bem digital.

Mas, para autores como Felix Martin, por mais simples e intuitiva que ela seja, a teoria monetária convencional está inteiramente errada.

O dinheiro como sistema de créditos e débitos

Os autores que discordam da teoria monetária convencional não aceitam a tese de que o dinheiro é um bem escolhido dentro de um universo de mercadorias para ser usado como meio de troca nem que a essência da troca monetária seja a permuta de bens e serviços por esse meio de troca.

Para nomes como George Dalton, Caroline Humphrey e Charles Kindleberger, o dinheiro é o sistema de contas de crédito e compensação que o bem escolhido como meio de troca ajuda a controlar.

Essa teoria também serve para explicar como funciona o Bitcoin, pois a rede tem um sistema de créditos e débitos que funciona de forma descentralizada e criptografada.

As moedas, virtuais ou físicas, seriam meros símbolos de uma relação de crédito. Embora tenham surgido no Oriente Médio, as moedas como representação do valor econômico ganharam força na Grécia Antiga.

Foi lá que se iniciou o costume de se gravar as moedas com a identidade do emissor para garantir o seu valor nominal.

Essa emissão era feita de forma descentralizada na época do feudalismo, até o surgimento dos estados nacionais modernos.

Foi quando o dinheiro, originalmente criado por particulares, passou a ser totalmente controlado pelos governos.

O dinheiro controlado pelo Estado

O controle do dinheiro pelo Estado levou a um curso de abusos.

Governantes passaram a imprimir dinheiro quando precisavam. Gerando aumento de preços e desvalorização do dinheiro que estava nas mãos do povo.

Quando o poder absolutista dos governantes começou a ser combatido, uma das primeiras medidas dos constitucionalistas foi buscar uma forma de limitar o controle do dinheiro pelo Estado.

A solução veio por meio do trabalho de um dos maiores constitucionalistas ingleses, John Locke. Para ele, o dinheiro era nada mais nada menos do que o próprio metal precioso em que era cunhado. O que posteriormente ficou conhecido como padrão-ouro.

Padrão-ouro

Até então, nunca houvera uma relação direta entre o valor nominal de uma moeda e o seu peso em prata ou ouro.

Tanto que uma moeda de prata desgastada tinha o mesmo valor nominal de uma moeda de prata recém cunhada, com mais metal precioso.

O valor vinha da confiança no crédito e da autoridade do emissor da moeda. Esse padrão flexível era o motivo da disputa entre governo e sociedade.

Locke estabeleceu um referencial fixo que impedia que o governante alterasse arbitrariamente o valor do dinheiro. Limitando assim o poder do soberano exatamente na linha de pensamento do constitucionalismo.

“O dinheiro é uma mercadoria, e seu valor é determinado da mesma forma que o de outras mercadorias: temporariamente, pela procura e oferta, e permanentemente e na média, pelo custo de produção” ~ John Stuart Mill

Assim, o padrão-ouro seguiu valendo, até que o liberalismo econômico começou a perder força no início do século XX.

As duas guerras mundiais e a crise econômica de 1929 deram origem ao moderno conceito de estado de bem-estar social, aumentando consideravelmente os gastos governamentais.

A partir de então, teorias que justificavam a necessidade de uma maior intervenção do Estado na economia voltaram a ganhar relevância.

Intervenção do Estado

Se o dinheiro fosse visto não como algo físico, como defendiam os liberais da época, mas sim como crédito, como defendiam os intervencionistas, emiti-lo em maior quantidade seria uma decisão política.

Não haveria um impedimento concreto como insuficiência de ouro.

A Primeira Guerra Mundial marcou o final da grande era do sistema monetário mundial baseado no ouro ~ Jack Weatherford

Desde o fim do padrão-outro, os governos podem emitir e controlar a moeda. Isso tem levado a um curso de crises econômicas.

A mais forte delas em épocas recentes foi a crise de 2008.

E foi justamente nesse ano, como uma resposta à crise, que surgiu o Bitcoin, a primeira moeda virtual da história.

O que é Bitcoin e como surgiram as moedas virtuais

Durante a crise de 2008, em uma lista de e-mails, um usuário chamado Satoshi Nakamoto publicou um curioso artigo.

Esse artigo explicava em detalhes o funcionamento de uma moeda virtual, privada, criptografada e descentralizada chamada Bitcoin.

A ideia de explorar um nicho de moedas virtuais existia desde o surgimento da web, no início dos anos 1990.

Mas elas sempre se deparavam com o problema do gasto duplo.

Se eu tenho um arquivo no computador e envio para você, nós dois passamos a ter o mesmo arquivo.

Para uma moeda virtual funcionar, isso não poderia acontecer.

A grande sacada do Bitcoin foi resolver esse problema sem a necessidade de um terceiro intermediário.

Blockchain

Para isso, Satoshi Nakamoto criou para sua moeda virtual um banco de dados público.

Chamado blockchain, o banco de dados registra todos os débitos e créditos já feitos com Bitcoin.

Todas as transações que ocorrem na economia Bitcoin são registradas em uma espécie de livro-razão público e distribuído chamado de blockchain. Ele nada mais é do que um grande banco de dados público, contendo o histórico de todas as transações realizadas. Novas transações são verificadas contra o blockchain de modo a assegurar que os mesmos bitcoins não tenham sido previamente gastos, eliminando assim o problema do gasto duplo. A rede global peer-to-peer, composta de milhares de usuários, torna-se o próprio intermediário. ~ Fernando Ulrich

Uma pizza por 10 mil Bitcoins

A ideia foi um sucesso imediato.

Em janeiro de 2009, poucos meses depois de o artigo sobre como funciona o Bitcoin ter sido publicado, o primeiro bloco do blockchain foi gravado.

Já em maio de 2010, um usuário chamado Laszlo Hanyecz conseguiu (ainda que de forma indireta) comprar uma pizza por 10 mil bitcoins.

A partir de então, muitos queriam saber como funciona o Bitcoin.

Valor, cotação e outros impressionantes números do Bitcoin e de outras moedas virtuais

Desde essa primeira compra com Bitcoins, a quantidade de negócios jurídicos envolvendo moedas virtuais só faz crescer.

Em maio de 2017, havia mais de 16,3 milhões de carteiras criadas no sistema. E o Bitcoin tinha um valor de mercado de 29 bilhões de dólares.

No rastro dele, outras 726 moedas virtuais estavam em circulação em maio de 2017.

Juntas, elas tinham um valor de mercado total de 58 bilhões de dólares. E uma movimentação superior a 2,5 bilhões de dólares por dia!

De um projeto usado apenas por nerds e early adopters, o Bitcoin passou a ser aceito por gigantes como Microsoft, Subway, Dell, Virgin Airlines, Tesla e outros.

No Brasil, estima-se que cerca de 15 mil empresas aceitem Bitcoins.

A projeção é que o mercado brasileiro movimente entre R$ 960 milhões e R$ 1,3 bilhão em 2017.

Como ganhar Bitcoin

Existem duas formas de se adquirir Bitcoins.

A primeira é comprando a moeda virtual em casas de câmbio. No momento em que escrevo estas linhas, para comprar 1 Bitcoin você teria que pagar R$ 8.626,55.

A segunda é emitindo a moeda virtual.

Como falei no início deste post, na rede Bitcoin não existe uma autoridade central que emita a moeda.

E aí veio mais uma grande inovação, a mineração de Bitcoin.

Além de resolver o problema do gasto duplo, Satoshi Nakamoto também encontrou uma solução – batizada de mineração – para que a moeda seja emitida pela própria rede de forma escassa e finita.

Desde o início, o sistema foi programado de forma a limitar a quantidade total de Bitcoins a ser gerados. São 21 milhões, sendo cada Bitcoin fracionável até oito casas decimais.

Minerar Bitcoin é crime?

Para minerar um Bitcoin, o computador de um usuário da rede precisa resolver problemas, que ajudam a verificar e divulgar todas as transações no blockchain.

Assim, as novas unidades monetárias de Bitcoins são criadas em uma proporção fixa, previsível e decrescente. A cada quatro anos os mineradores passam a receber metade do que recebiam antes.

Isso significa que, à medida em que os Bitcoins são gerados, torna-se mais difícil gerar novas unidades da moeda. Da mesma maneira como é mais difícil encontrar ouro hoje do que era em tempos passados.

Estima-se que a última fração dos 21 milhões de Bitcoins seja minerada por volta do ano 2140. Em maio de 2017, mais de 16 milhões de Bitcoins já estavam em circulação. Isso representa 77,6% do total a ser minerado.

A capacidade computacional exigida para minerar os últimos será tão grande que os custos com aquisição de equipamento e energia elétrica podem não compensar a mineração de novos Bitcoins, a depender de sua cotação.

É dessa escassez que vem o valor do Bitcoin, cujo preço é definido com base na oferta e na procura.

O uso crescente das moedas virtuais começou a gerar consequências para o Direito e levantando questões sobre a regulamentação jurídica, seja com a aplicação de normas existentes ou com edição de novas leis.

Bitcoin no Brasil: o que diz a legislação brasileira sobre as moedas virtuais

No Brasil, não existe nenhuma lei que regulamente as moedas virtuais em sentido estrito. Poucos são os operadores do Direito que sabem como funciona o Bitcoin.

O que se tem certeza é que o Bitcoin não pode ser considerado moeda nacional.

A nossa Constituição dispõe que compete à União emitir moeda, competência essa exercida pelo Banco Central.

Existem leis que determinam que a moeda nacional é o Real e que ela tem o chamado curso forçado.

Isso quer dizer que aqui só o Real tem chamado poder liberatório da moeda. O poder que permite ao seu detentor, sem limites ou condições, a exoneração de dívidas.

O Bitcoin poderia então ser considerado uma moeda estrangeira?

Também não, porque as leis dizem que moedas estrangeiras são emitidas por governos de outros países.

Houve quem quisesse classificar o Bitcoin como moedas eletrônicas. Ou “recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento”.

No entanto, o Banco Central emitiu um comunicado oficial afirmando que as moedas eletrônicas fazem pagamento em moeda nacional é isso não é como funciona o Bitcoin.

Como funciona o Bitcoin do ponto de vista jurídico: Um mero bem jurídico intangível…

Por exclusão, o Bitcoin e outras moedas virtuais estão hoje classificados simplesmente como bens jurídicos intangíveis, de caráter patrimonial.

Este é o conceito adotado pela Receita Federal do Brasil e por autores como Balduccini e outros.

Na monografia, eu defendo que seja editada uma lei que reconheça esse novo instrumento. E dê a ele natureza jurídica de moeda virtual. Sem querer forçar a classificação em outro conceito já existente.

A mesma lei, para fins de segurança jurídica, poderia dispor não sobre como funciona o Bitcoin, mas sim sobre quais regras e tributos se aplicam ao uso das moedas virtuais.

Aplicação da legislação existente aos negócios jurídicos com moedas virtuais

Como mostram as estatísticas, o uso das moedas virtuais já é um fato.

O que ainda resta é saber como as atuais leis do Brasil se aplicam a esse uso.

Por exemplo, considerando-se a atual classificação das moedas virtuais como meros bens jurídicos intangíveis, uma aquisição feita com Bitcoins hoje não pode ser considerado um contrato de compra e venda, mas sim um contrato de permuta.

Isso porque nosso Código Civil diz que “pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro“.

Como a moeda virtual não é considerada dinheiro, o contrato seria melhor classificado como contrato de permuta. Aquele por meio do qual as partes se obrigam a prestar uma coisa por outra, excluindo o dinheiro.

Esse tipo de coisa pode parecer um tecnicismo sem importância. Até que se chega ao problema de tributação das moedas virtuais.

Tributação do Bitcoin: o que já existe de regulamentação (e o que vem por aí)

A Receita Federal já se posicionou oficialmente sobre como funciona o Bitcoin de um ponto de vista tributário. No Brasil, as moedas virtuais devem ser declaradas no Imposto de Renda.

As moedas virtuais (Bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos como “outros bens”, uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas devem ser declaradas pelo valor de aquisição. Atenção: Como esse tipo de “moeda” não possui cotação oficial, uma vez que não há um órgão responsável pelo controle de sua emissão, não há uma regra legal de conversão dos valores para fins tributários. Entretanto, essas operações deverão estar comprovadas com documentação hábil e idônea para fins de tributação.

Já os ganhos obtidos com a venda de moedas virtuais, cujo valor ultrapasse R$ 35 mil no mês, são tributados, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%.

O recolhimento do imposto de renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte.

Essa é a posição oficial da Receita Federal sobre como funciona o Bitcoin para fins tributários hoje. Mas a instituição já afirmou que o tema ainda está em estudo.

Incidência de ICMS e ISS em mercadorias e serviços pagos com Bitcoin

Na monografia, analisei a possibilidade de aplicação de outros tributos em operações com moedas virtuais.

Meu estudo concluiu pela possibilidade de incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

O fato gerador do ICMS é a realização de “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior” (art. 155, II, da Constituição Federal).

Como visto, a aquisição de bens com moedas virtuais constitui contrato de permuta.

Se o bem adquirido for mercadoria, está caracterizado o fato gerador. Surge assim a possibilidade de incidência do ICMS, visto que a Lei Complementar nº 87 dispõe, em seu art. 2º, § 2º, que “a caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua”.

Pelo Código Tributário Nacional, o pagamento do imposto deve ser feito em reais.

O mesmo vale para produtores que geram unidades de moedas virtuais e exercem o comércio colocando à vendas esses bens como mercadorias, visando ao lucro, recebendo em moeda nacional, como no caso de empresas de mineração de Bitcoins que vendam a moeda no Brasil, em reais.

O caso de não-incidência de ICMS

Por outro lado, não há incidência de ICMS nos contratos de compra e venda de Bitcoins entre particulares. Como no caso de um indivíduo que compra Bitcoins de outro, pagando em reais.

Nesta situação, há ausência de caráter mercantil, não ocorrendo o fato gerador. O imposto devido neste caso é o Imposto de Renda.

Como funciona o Bitcoin em relação ao ITCD

Ainda no âmbito estadual, pode incidir o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), previsto no artigo 155, II, da Constituição Federal.

Neste caso, o fato gerador seria a transmissão de moedas virtuais como bens deixados como herança. Ou mesmo doados entre pessoas vivas.

Como funciona o Bitcoin em relação ao ISS

Por fim, em relação aos tributos de competência dos municípios, existe a possibilidade de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), previsto no artigo 156, III, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei Complementar nº 116/2003.

O fato gerador, segundo o art. 1º desta lei, é “a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador”.

Uso o mesmo raciocínio aplicado ao ICMS. Quando um prestador de serviços recebe o pagamento em moedas virtuais, ocorre um contrato de permuta. Nesse caso, permuta de serviço por bens incorpóreos.

Havendo o fato gerador, o prestador do serviço deve converter o valor dos bens recebidos em reais. E assim calcular o imposto devido, que deve ser pago em moeda nacional.

O problema da fiscalização

Tanto no caso do ICMS quanto do ISS, a dificuldade patente refere-se à fiscalização. As autoridades não terão acesse às carteiras onde as moedas virtuais recebidas ficam depositadas.

A tributação depende de o comerciante e o prestador de serviço cumprirem todas as determinações da legislação tributária.

No caso do ICMS, a fiscalização pode ser feita a partir do estoque de mercadorias compradas e disponíveis. No caso de mercadorias incorpóreas e na prestação de serviços, o controle é bastante difícil.

Como funciona o Bitcoin na legislação internacional

No Direito Internacional, a tutela jurídica das moedas virtuais varia entre:

  • a proibição expressa (casos de Islândia, Equador e Bolívia, por exemplo)
  • a regulação permissiva sujeita à supervisão (caso dos Estados Unidos)
  • a não regulação específica (como no Brasil ou na União Europeia).

Vejamos alguns casos.

América do Norte

Nos Estados Unidos, administradores e casas de câmbio que operam com moedas virtuais foram enquadrados como money services businesses.

Todos foram submetidos às mesmas regras regulatórias que as instituições financeiras encaixadas nesta categoria.

Os simples usuários não foram enquadrados. Mas os mineradores que trocam seus Bitcoins por moedas reais foram submetidos à regulação.

Para a Internal Revenue Service (IRS), as moedas virtuais têm natureza jurídica de propriedade para fins tributários. Devem, portanto, constar na declaração de bens do proprietário.

O Canadá não considera o Bitcoin uma moeda estrangeira, mas sim uma commodity para fins tributários.

O governo canadense afirmou que há incidência dos impostos indiretos sobre o consumo nas transações realizadas com Bitcoins.

Além disso, o ganho de capital auferido com alienação de Bitcoins deve ser declarado para Imposto de Renda.

O posicionamento do Canadá é similar ao explicado na monografia sobre como funciona o Bitcoin em relação ao ICMS, ITCD, ISS e Imposto de Renda.

Europa e China

A China proíbe a utilização de moedas virtuais por instituições financeiras, mas permite o uso por pessoas físicas.

Pela quantidade de downloads do programa do Bitcoin, o país é apontado como o segundo maior em quantidade de usuários de Bitcoins do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

Na União Europeia, o Banco Central Europeu emitiu seu primeiro relatório em outubro de 2012, atualizando-o em fevereiro de 2015.

A conclusão foi pela desnecessidade da introdução imediata de uma regulação mais ativa. As leis já existentes poderiam ser aplicadas às moedas virtuais, respeitando os princípios do Sistema Financeiro adotado no bloco europeu.

A Rússia inicialmente reportou-se ao seu próprio Código Civil para considerar as moedas virtuais ilegais.

No entanto, em julho de 2016, o país passou a considerar o Bitcoin e similares como moeda estrangeira. E permitiu a compra em casas de câmbio e seu uso no exterior.

A presidente do Banco Central da Rússia afirmou, em outubro de 2016, que o país estuda a criação de uma moeda virtual nacional.

América Latina

O Equador proibiu o uso do Bitcoin e de outras moedas virtuais similares. Ao mesmo tempo, aprovou a criação de uma nova moeda de caráter eletrônico, sob controle do Estado.

A Bolívia também foi pelo caminho da proibição. Baniu em 2014 moedas e denominações monetárias não reguladas, nominando o Bitcoin e outras 14 moedas virtuais.

A Colômbia afirma que o Bitcoin não tem curso legal no país. Não é reconhecido como moeda, como ativo nem como divisa.

O governo colombiano afirma que as moedas virtuais não são reguladas no país. E alerta para riscos envolvendo operações financeiras com essas moedas.

A relação entre moedas virtuais e a liberdade monetária

Como funciona o Bitcoin para o liberalismo

O conjunto de princípios e teorias que defende a emancipação da economia de qualquer dogma externo a ela mesma é conhecido como Liberalismo Econômico.

Para autores liberais clássicos, paradoxalmente, o indivíduo que age em interesse próprio promove o bem da sociedade.

E o promove de forma mais efetiva do que quando realmente pretende promovê-lo.

A “mão invisível”

Aqui mais uma vez eu recorro a Adam Smith para explicar a lógica liberal:

Já que cada indivíduo procura, na medida do possível, empregar seu capital em fomentar a atividade nacional e dirigir de tal maneira essa atividade que seu produto tenha o máximo valor possível, cada indivíduo necessariamente se esforça por aumentar ao máximo possível a renda anual da sociedade. Geralmente, na realidade, ele não tenciona promover o interesse público nem sabe até que ponto o está promovendo. Ao preferir fomentar a atividade do país e não de outros países ele tem em vista apenas sua própria segurança. E orientando sua atividade de tal maneira que sua produção possa ser de maior valor, visa apenas a seu próprio ganho. E, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções. Aliás, nem sempre é pior para a sociedade que esse objetivo não faça parte das intenções do indivíduo. Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê-lo. Nunca ouvi dizer que tenham realizado grandes coisas para o país aqueles que simulam exercer o comércio visando ao bem público.

Liberalismo clássico

O liberalismo clássico preocupava-se primordialmente com:

  • A garantia da propriedade privada
  • A defesa do livre mercado
  • A igualdade perante a lei
  • A mínima intervenção do Estado na economia

No artigo em que explica como funciona o Bitcoin, Nakamoto não declarou sua orientação político-econômica.

Mas o instrumento que criou caiu como uma luva para a ideia de liberdade monetária.

Como funciona o Bitcoin para a liberdade monetária: escolha a moeda que você quiser

A partir dos anos 1980, surgiu um movimento que conhecido como monetarismo ou neoliberalismo. E ganhou força a ideia de que as pessoas pudessem ser livres para usar a moeda que quisessem.

Essa nova fase do liberalismo econômico buscou fundamentação no trabalho que começou a ser desenvolvido no início do século XX por economistas liberais integrantes da chamada Escola Austríaca, que inclui nomes como Carl Menger, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek.

A Escola Austríaca diz que o monopólio do dinheiro pelo Estado é a principal causa de crises econômicas.

Hayek, defensor da desestatização do dinheiro e da criação de moedas privadas, chegou a propor que países da Europa e da América do Norte firmassem acordos para não impor obstáculos à livre circulação de meios de troca de outras nações em seus territórios.

Menger lembrava que, em sua origem, o dinheiro não foi gerado pela lei e sim pela sociedade. Ele é, portanto, uma instituição social, não estatal.

Afirmação semelhante é feita por Mises. Para ele o dinheiro é um fenômeno de mercado, um meio de troca escolhido pelos indivíduos. Seu funcionamento “não tem nada a ver com o governo, o estado ou a violência exercida pelos governos”.

Moedas virtuais como instrumento para a liberdade monetária

Nenhum deles viveu o suficiente para testemunhar como funciona o Bitcoin e outras moedas virtuais.

Graças a essa tecnologia, o ideal de uma moeda livre da interferência do Estado, regida exclusivamente pelas leis do mercado e por regras matemáticas, pode se tornar realidade.

Para esses autores, as moedas nacionais sobrevivem com tantos defeitos porque a iniciativa privada não tem permissão de fazer uma melhor.

Saber como funciona o Bitcoin e outras moedas virtuais possibilita uma antes difícil de ser imaginada liberdade monetária.

Além de criarem uma alternativa à moeda nacional, as mais de 720 moedas virtuais em circulação também podem concorrer entre si, gerando benefícios e opções de escolha para os indivíduos e forçando o Estado a se comportar de forma mais responsável em relação à política monetária.

Esse seria um caminho de volta às origens do dinheiro. Uma época em que o controle estava nas mãos da sociedade, não do Estado.

Conclusão: a íntegra da monografia Regulamentação Jurídica de Moedas Virtuais

Se você quer saber mais sobre como funciona o Bitcoin e se interessa pelo tema das moedas virtuais sob um ponto de vista jurídico, segue abaixo a íntegra da monografia Regulamentação Jurídica de Moedas Virtuais, defendida em junho de 2017 para conclusão do curso de Direito:

https://walmarandrade.com.br/wp-content/uploads/2020/05/Regulamentação-Jurídica-de-Moedas-Virtuais-Walmar-Andrade.pdf

Fico com a conclusão de Jon Matonis, conselheiro da Fundação Bitcoin, para quem a moeda virtual mais popular do mundo não é meramente uma forma de realizar transações globais a baixo custo.

Saber como funciona o Bitcoin é conhecer um instrumento para impedir a tirania monetária.

Combate à tirania monetária

Como funciona o Bitcoin
Professeres Cléucio Nunes, André Ramos e Fabrício Ramos na banca de defesa da monografia Regulamentação Jurídica de Moedas Virtuais, em 21 de junho de 2017

Uma moeda virtual privada não pode ser emitida, inflacionada, apropriada ou desvalorizada artificialmente pelo Estado. Além disso, dispensa a dependência de terceiros intermediários.

Ela foi pensada para ser gerida pela própria sede anônima de usuários, de forma coletiva e com regras matemáticas.

Imaginem um mundo sem inflação, sem bancos centrais desvalorizando o seu dinheiro para financiar a esbórnia fiscal dos governantes. Sem confisco de poupança. Sem manipulação da taxa de juros. Sem controle de capitais. A verdade é que o Bitcoin, ou o que vier a substituí-lo no futuro, impõe uma verdadeira concorrência contra o cartel dos banqueiros e a moeda dos governos. Por isso, não esperemos nenhuma boa vontade dessa dupla simbiótica em relação ao Bitcoin. A internet nos permitiu a liberdade de comunicação. O Bitcoin tem o potencial de devolver nossa liberdade sobre nossas próprias finanças ~ Fernando Ulrich

Claro que o modo como funciona o Bitcoin ainda pode ser melhorado.

Mas a ideia de um instrumento que sirva para a liberdade monetária, como uma alternativa (e não um substituto) às moedas nacionais, parece não ter mais volta.

A internet já mudou completamente mercados como o das comunicações, dos transportes e da cultura.

Não há razão para imaginar que transformação semelhante não acontecerá também com a forma como pensamos e utilizamos o dinheiro.

Escrito por
Walmar Andrade
Walmar Andrade