A primeira vez que ouvi falar de O Novo Iluminismo foi por meio de uma publicação no Gates Notes em que o velho Bill dizia que a obra de Steven Pinker era o seu mais novo livro favorito de todos os tempos.
Quando alguém como Bill Gates, conhecido por ser um devorador de livros, faz uma afirmação dessas, no mínimo surge a curiosidade de ler o livro. E com as expectativas lá no alto.
Felizmente, O Novo Iluminismo faz jus ao entusiasmo de Gates. Steven Pinker traz uma visão otimista da atualidade, apresentando dados para provar que vivemos na melhor era de todos os tempos.
O otimismo de Steven Pinker em O Novo Iluminismo
O noticiário dá a todos a sensação de que vivemos tempos calamitosos. Doenças, guerras, pobreza, racismo, nada parece trazer uma visão positiva da realidade.
O argumento principal de O Novo Iluminismo é que essa sensação transmitida pelo noticiário não condiz com a verdade dos dados. Muito embora todos esses males ainda existam, quando analisamos os números e comparamos com o passado, podemos concluir que o mundo tem melhorado consistentemente desde o advento do movimento iluminista no século XVIII.
A visão otimista de Pinker é uma questão de perspectiva. Taxas de violência, fome e pobreza nunca foram comparativamente tão baixas na história da humanidade. Em contraponto, índices como expectativa de vida, felicidade percebida e saúde em geral nunca foram tão altos.
Mesmo a alardeada questão do meio ambiente vem apresentando dados positivos de melhoria nas últimas décadas, embora certamente seja um problema alarmante.
Como isso foi possível? Graças a valorização da ciência, do racionalismo e do humanismo que marcou o movimento iluminista no século XVIII e que perdura até hoje.
Pode não parecer, mas vivemos na era da razão
O Iluminismo pode ser visto como uma reação ao absolutismo e ao teocentrismo que dominavam a Europa até o século XVIII. Até então, a humanidade vivia um período marcado por ignorância, superstições e “explicações” divinas para fatos cotidianos.
A partir do Iluminismo, passou-se a valorizar a razão, a ciência, o humanismo e o progresso. O conhecimento tornou-se mais valorizado e a ciência avançou como nunca antes. Desde então, vivemos na era da razão.
Uma das consequências positivas do Iluminismo foi a superação da vida em comunidades sectárias. Uma sociedade conectada favorece a diversidade e se torna mais resiliente contra a entropia, aqui entendida como a desordem do sistema. Isso diminui guerras e aumenta a troca de conhecimentos, favorecendo o progresso que hoje vivenciamos.
É óbvio que ao ouvir argumentos como esses aparece logo uma sensação de descolamento da realidade. Se tudo o que vemos na imprensa e nas redes sociais são notícias sobre pensamentos retrógrados, superstições e até mesmo absurdos como o terraplanismo, como Steven Pinker ousa afirmar que vivemos na era da razão?
O problema parece ser uma visão enviesada da realidade. O que vemos no noticiário é apenas um recorte. É papel do jornalismo apontar problemas, denunciar escândalos, exigir soluções. Isso inclusive vende mais do que notícias positivas. O problema é querermos enxergar um recorte da realidade como se a realidade fosse.
A saída para isso é utilizar os próprios ideais iluministas para enxergar a realidade. Ou seja, em vez de tentar enxergar o mundo pelo recorte da imprensa, melhor seria utilizarmos dados comparativos para entender se estamos progredindo ou não. E o que os dados revelam é positivamente impactante.
Dados que comprovam a visão positiva da realidade de Steven Pinker
Ciente de que seus argumentos são difíceis de serem aceitos sem grandes provas, Pinker dedica boa parte do desenvolvimento de O Novo Iluminismo a apresentar dados, gráficos e fatos que tornam praticamente impossível refutar racionalmente suas teses.
Expectativa de vida, violência, guerras, homicídios, qualidade de vida, índices de felicidade, tempo de trabalho doméstico, poluição, alfabetização, quantidade de democracias, arsenal de armas nucleares… qualquer um desses indicadores que você analisar comparativamente apresentará claros sinais de melhoria ao longo do tempo. Até mesmo a chance de você morrer após ser atingido por um raio é menor do que era algum tempo atrás.
Para colocarmos as coisas em perspectiva, a média de qualidade de vida na África hoje é superior ao que era na França na década de 1940, quando minha mãe nasceu. Uma criança etíope de 10 anos podia esperar viver mais 34 anos na década de 1950. Hoje, ela pode esperar viver mais 51 anos.
Exemplos como esses são encontrados durante todo o livro. A riqueza está aumentando; a desigualdade está diminuindo. Democracias estão se consolidando; regimes autoritários estão sendo reduzidos. Índices de alfabetização estão cada vez maiores; enquanto o tempo gasto em afazeres domésticos se reduz.
Por mais que casos anedóticos e notícias recorrentes nos deem a impressão do contrário, o que os dados mostram que é que a humanidade tem evoluído com certa constância desde que começou a valorizar a razão, a ciência e o humanismo.
Tecnologia tem tornado a vida humana melhor
Focando um pouco mais no tema deste blog. O avanço da tecnologia também é visto de forma positiva em O Novo Iluminismo.
Ao contrário de pensadores como Stephen Hawking, que via o avanço da Inteligência Artificial como uma real ameaça para a humanidade, Steven Pinker apresenta dados para mostrar que a tecnologia não apenas está facilitando as nossas vidas como está mais segura do que antes.
A preocupação com cenários apocalípticos levou ao desenvolvimento de tecnologias com planos de contingenciamento melhores.
Pinker não acredita, por exemplo, no advento de máquinas que aprendem sozinha e assim acabem matando humanos ao interpretar algum comando de forma diversa do que foi programado.
Mesmo quando as coisas dão errado, é provável que haja dispositivos ou pessoas com o poder de conter a ameaça em tempo. E esses dispositivos e pessoas estão ligados em redes de forma não centralizada, mitigando as chances de erros.
O Novo Iluminismo mostra que a real ameaça está em pessoas que tentam vilanizar a ciência e a razão
A conclusão de O Novo Iluminismo é que o nosso maior ponto de preocupação deve recair sobre pessoas e organizações que ameaçam a ciência e a razão.
Devemos ter cuidado com quem tenta combater argumentos racionais e científicos utilizando falácias, combatendo dados com casos anedóticos, apelando para argumentos supersticiosos ou religiosos.
Mesmos essas ameaças, no entanto, merecem ser relativizadas. Claro que preocupa ver pessoas ou organizações com visões anti-ciência no poder. Mas mesmo esses casos são mais exceções do que regras. E o próprio sistema econômico e democrático construído com os fundamentos iluministas deve se encarregar de, no longo prazo, priorizar a visão progressista.
Ao contrário do que afirmam seus críticos, Steven Pinker não fecha os olhos para os problemas da atualidade. O autor apenas coloca tais problemas em perspectiva, analisando dados objetivos para comparar o progresso em diversas áreas.
Essa, aliás, é uma atitude de resolução de problemas valorizada pelo movimento iluminista e que poderia ser mais adotada por quem ocupa o poder.