Sem Lugar para se Esconder

Sem lugar para se esconder – Eward Snowden, a NSA e a espionagem do governo americano, de Glenn Greenwald

Em um dia de sol no Rio de Janeiro no final de 2012, o jornalista Glenn Greenwald recebeu um email assinado por Cincinnatus que prometia revelar como o governo americano espionava indiscriminadamente cidadãos de todo o mundo. Dois anos e muitos escândalos depois, os bastidores dessa história seriam publicados no livro Sem lugar para se esconder.

Cincinnatus, na verdade, era Edward Snowden. Até então, um desconhecido analista de sistemas que havia trabalhado, diretamente ou por meio de empresas terceirizadas, para a CIA (Central Intelligence Agency) e para a NSA (National Security Agency).

Durante os anos em que trabalhou para a inteligência americana, Snowden ficou sabendo que o governo espionava praticamente todo mundo a todo tempo.

Decidiu, então, denunciar o caso. Conseguiu copiar documentos ultrassecretos que provavam o que ele dizia.

Só que, em vez de simplesmente publicar tais documentos, optou por escolher um jornalista que criteriosamente analisasse as informações e contasse ao público da forma mais profissional possível.

Esse jornalista era Glenn Greenwald.

Como as revelações de Edward Snowden passaram pelo Brasil

Glenn Greenwald é um jornalista e advogado americano que mora no Brasil há alguns anos.

Em 2005, ele criou um blog sobre política que acabou cobrindo com ênfase a denúncia que, após o atentado de 11 de setembro de 2001, o presidente George Bush havia ordenado que a NSA espionasse comunicações eletrônicas mesmo sem mandado judicial.

O trabalho acabou resultando na publicação, em 2006, do livro How Would a Patriot Act?: Defending American Values from a President Run Amok. Foi por conta dele que Snowden escolheu Greenwald para revelar os documentos da NSA anos depois.

Esse é justamente o ponto de partida de Sem lugar para se esconder – Edward Snowden, a NSA e a espionagem do governo americano, publicado em 2014 para contar os bastidores do encontro que resultou em um dos maiores escândalos dos últimos tempos.

O encontro em Hong Kong

Edward Snowden e Glenn Greenwald.

Toda a primeira parte de Sem lugar para se esconder é dedicada a relatar como Greenwald saiu do Rio de Janeiro rumo a Hong Kong para encontrar um desconhecido que lhe prometia o maior furo de sua carreira jornalística.

Além de Greenwald, Snowden também havia contactado a documentarista Laura Poitras, que produziu o premiado filme Citizenfour, também lançado em 2014.

Enquanto o documentário mostra o encontro do grupo em Hong Kong e a repercussão das denúncias de Snowden, o livro Sem lugar para se esconder traz a visão de Greenwald sobre o que estava acontecendo.

A história é narrada nos dois primeiros capítulos (“Contato” e “Dez dias em Hong Kong”), que também são os mais interessantes do livro.

Neles, vemos como Greenwald quase deixou escapar o furo por não acreditar muito em um anônimo que prometia uma história grandiosa se ele viajasse para o outro lado do mundo.

Vemos também as dificuldades que o jornalista enfrentou para que um veículo de grande porte (o britânico The Guardian) aceitasse publicar a história.

Por fim, vemos como mesmo grandes jornalistas como Greenwald ainda apresentam imensas dificuldades de lidar com tecnologias que estejam um pouco além do básico de apontar e clicar.

As razões do título “Sem lugar para se esconder”

Nos dois capítulos seguintes (“Coletar tudo” e “Os danos da vigilância”), o autor mostra como todos nós estamos sendo vigiados o tempo todo pelo imenso aparato de espionagem montado pelo governo americano com ajuda dos países dos Cinco Olhos (Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido, além dos EUA).

Como fica claro pela leitura e pelos documentos mostrados no livro, praticamente tudo o que fazemos na internet está sendo observado. O tempo todo.

Greenwald traz à tona as explicações oficiais que tentam minimizar os problemas dessa vigilância massiva e contínua, apenas para criticá-las e apontar seus erros lógicos e práticos.

O autor deixa claro que o terrorismo é muita vez utilizado como uma bela desculpa para que se pratique uma espionagem com fins políticos e, principalmente, econômicos.

Não é por acaso que grandes empresas de tecnologia como Microsoft, Google, Facebook, Yahoo! e Apple forneciam dados para os programas de vigilância da NSA.

Como eu li o livro quase dois anos depois da publicação, essa parte para mim foi menos interessante do que os bastidores do encontro com Snowden. Afinal, todo o escândalo já havia sido exposto e debatido exaustivamente na imprensa.

Ainda assim, Sem lugar para se esconder traz nesses dois capítulos de desenvolvimento um excelente resumo do que aconteceu e do poder que a NSA detinha sobre a vida das pessoas.

O Quarto Poder

Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade ~ George Orwell

O derradeiro capítulo de Sem lugar para se esconder traz uma discussão importante sobre o papel da imprensa investigativa em casos que realmente importam.

Mesmo com todos os documentos, mesmo com o absurdo que é a vigilância irrestrita e contínua, muitos veículos divulgaram sem senso crítico as respostas oficiais.

Greenwald discute essa relação por vezes promíscua entre governantes e jornalistas, que em tese deveriam agir como fiscais a garantir a transparência das ações públicas.

O capítulo traz a visão de Greenwald acerca de veículos como o New York Times e o Washington Post e mesmo críticas para o Guardian, onde o autor trabalhava na época das denúncias.

Antes mesmo de publicar Sem lugar para se esconder, o jornalista havia deixado o Guardian para fundar, juntamente com Laura Poitras, o site The Intercept, que recebeu um aporte inicial de US$ 250 milhões do fundador do eBay, Pierre Omidyar.

Vale a pena ler “Sem lugar para se esconder”?

Recomendo muito a leitura de Sem lugar para se esconder, especialmente para profissionais de comunicação (com ênfase para os dois primeiros e para o último capítulo).

O livro não é longo e a leitura é bastante tranquila. Ainda assim, quem quiser uma visão mais rápida do caso, pode assistir ao citado documentário Citizenfour.

Em 2016, o diretor Oliver Stone lançou um filme chamado Snowden: Herói ou traidor, que dramatiza a história.

O filme de Stone não é um documentário, mas apenas se baseia nos fatos reais. Nele, vemos muito da história de Edward Snowden antes de revelar os segredos ao mundo.

Seu trabalho na CIA e na NSA, seu relacionamento amoroso com a namorada Lindsay Mills, seus problemas com a epilepsia.

É um complemento interessante, mas que acaba focando demais na figura pessoal do delator e de menos no que realmente importa, a absurda transgressão de privacidade promovida pelos órgãos de inteligência.

Por isso, recomendo fortemente a leitura do livro.

Escrito por
Walmar Andrade
Walmar Andrade