Teoria Monetária Convencional: a origem do dinheiro como meio de troca

Teoria Monetária Convencional

Para entender o surgimento das criptomoedas, é necessário investigar primeiro a origem e a evolução do dinheiro. É isso que faremos neste primeiro módulo do curso Direito das Criptomoedas, começando pela Teoria Monetária Convencional.


Autores clássicos como Aristóteles (1991) e Locke (2006) ensinam que o dinheiro surgiu como uma forma de tornar o escambo mais eficiente.

O escambo requer que dois indivíduos possuidores de determinados bens queiram, ao mesmo tempo, trocá-los. Como não é sempre que isso ocorre, as pessoas foram, aos poucos, adotando determinados bens universalmente aceitos como meios de troca.


Tal teoria monetária convencional é também defendida por Adam Smith (1996) em A Riqueza das Nações, obra considerada fundadora da economia moderna, na qual se lê:

Adam Smith
Adam Smith, autor de A Riqueza das Nações

Quando a divisão do trabalho estava apenas em seu início, este poder de troca deve ter deparado frequentemente com grandes empecilhos. […]

O açougueiro tem consigo mais carne do que a porção de que precisa para seu consumo, e o cervejeiro e o padeiro estariam dispostos a comprar uma parte do produto. Entretanto, não têm nada a oferecer em troca, a não ser os produtos diferentes de seu trabalho ou de suas transações comerciais, e o açougueiro já tem o pão e a cerveja de que precisa para seu consumo. […]

A fim de evitar o inconveniente de tais situações, toda pessoa prudente, em qualquer sociedade e em qualquer período da história, depois de adotar pela primeira vez a divisão do trabalho, deve naturalmente ter se empenhado em conduzir seus negócios de tal forma que a cada momento tivesse consigo, além dos produtos diretos de seu próprio trabalho, certa quantidade de alguma outra mercadoria — mercadoria tal que, em seu entender, poucas pessoas recusariam receber troca do produto de seus próprios trabalhos.

(SMITH, 1996, p. 81) 1

Qualquer bem que fosse aceito como pagamento pelos integrantes de certo grupo social poderia ser adotado.

Com o tempo, entretanto, o ouro e a prata acabaram se tornando escolhas naturais, por serem duráveis, maleáveis, portáteis e raros.

A partir da escolha, o bem adotado como meio de troca passava a ser desejado não apenas por seu valor intrínseco, mas também por seu poder de compra e por permitir o acúmulo de riqueza. Sobre o assunto, continua Adam Smith:

Provavelmente, muitas foram as mercadorias sucessivas a ser cogitadas e também utilizadas para esse fim. Nas épocas de sociedade primitiva, afirma-se que o instrumento generalizado para trocas comerciais foi o gado. […]

Na Abissínia, afirma-se que o instrumento comum para comércio e trocas era o sal; em algumas regiões da costa da Índia, o instrumento era um determinado tipo de conchas; na Terra Nova era o bacalhau seco; na Virgínia, o fumo; em algumas das nossas colônias das Índias Ocidentais, o açúcar; em alguns outros países, peles ou couros preparados; ainda hoje — segundo fui informado — existe na Escócia uma aldeia em que não é raro um trabalhador levar pregos em vez de dinheiro quando vai ao padeiro ou à cervejaria.

Entretanto, ao que parece, em todos os países as pessoas acabaram sendo levadas por motivos irresistíveis a atribuir essa função de instrumento de troca preferivelmente aos metais, acima de qualquer outra mercadoria.

Os metais apresentam a vantagem de poder ser conservados, sem perder valor, com a mesma facilidade que qualquer outra mercadoria, por ser difícil encontrar outra que seja menos perecível; não somente isso, mas podem ser divididos, sem perda alguma, em qualquer número de partes, já que eventuais fragmentos perdidos podem ser novamente recuperados pela fusão — uma característica que nenhuma outra mercadoria de durabilidade igual possui, e que, mais do que qualquer outra, torna os metais aptos como instrumentos para o comércio e a circulação.

(SMITH, 1996, p. 82)

Por esse raciocínio, nada impede que os indivíduos, atualmente, adotem consensualmente os arquivos eletrônicos de uma criptomoeda como o bem a ser aceito como pagamento. 

Respaldada por autores clássicos, a teoria monetária convencional é amplamente aceita e repetida em manuais de Direito Econômico. Alguns teóricos, no entanto, tecem críticas a essa conhecida origem do dinheiro. 

Críticas à teoria monetária convencional

David Graber, autor de Debt: the first 5,000 years

David Graeber (2011, p. 23-28)2, por exemplo, lembra que a teoria sempre é apresentada como um puro exercício de imaginação, sem indicação precisa de quando e onde ela teria ocorrido.

Para o autor, além de não existir evidência da evolução do escambo comercial para o dinheiro, também há considerável quantidade de evidências de que tal evolução não existiu. 

Na mesma linha, Felix Martin (2016, pos. 191)3 escreve que “por mais simples e intuitiva que seja”, a teoria monetária convencional está “inteiramente errada”.

Martin defende que nunca existiu uma sociedade que fizesse comércio regular por escambo, citando conclusões de pesquisadores como Dalton (1982, p. 181)4, Humphrey (1985, p. 48-72)5 e Kindleberger (1993, p. 21)6.

Charles Kindleberger escreve:

[…] ocasionalmente, os historiadores da economia sustentaram que a evolução no intercâmbio econômico passou de uma economia natural, ou de escambo, para uma economia monetária, e, por fim, a uma economia de crédito. Essa visão foi proposta, por exemplo, em 1864, por Bruno Hildebrand, da escola alemã de economia histórica; ocorre que ela está errada. (KINDLEBERGER, 1993, p. 21).

Os autores que discordam da teoria monetária convencional não aceitam a tese de que o dinheiro é um bem escolhido dentro de um universo de mercadorias para ser usado como meio de troca nem que a essência da troca monetária seja a permuta de bens e serviços por esse meio de troca. 

Para eles, o dinheiro é o sistema de contas de crédito e compensação que o bem escolhido como meio de troca ajuda a controlar.

Na próxima aula do curso, vamos entender melhor essa teoria do dinheiro como um sistema de contas de crédito e compensação. Até lá!

Notas

  1. SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1996. 1 v.
  2. GRAEBER, David. Debt: the first 5,000 years. New York: Melville House Publishing, 2011.
  3. MARTIN, Felix. Dinheiro: uma biografia não autorizada. Kindle edition. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2016.
  4. DALTON, George. Barter, Journal of Economic Issues, v. 16, n. 1, p. 181-190, 1982.
  5. HUMPHREY, Caroline. Barter and Economic Disintegration. Man, v. 20, n. 1, p. 48-72, 1985. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2802221?seq=1#page_scan_tab_contents. Acesso em: 25 out. 2016.
  6. KINDLEBERGER, Charles. A Financial History of Western Europe. Nova York e Oxford: Oxford University Press, 1993.
Escrito por
Walmar Andrade
Walmar Andrade