A origem do dinheiro como sistema de créditos e débitos

Origem do Dinheiro

Nas duas aulas anteriores do curso Direito das Criptomoedas, vimos as duas teorias sobre a origem do dinheiro.

A Teoria Monetária Convencional, mais aceita, diz que o dinheiro surgiu como uma forma de tornar o escambo mais eficiente, elegendo-se um meio de troca universalmente aceito dentro de um grupo social.

Já a Teoria Não Ortodoxa defende que o dinheiro é o sistema de contas de crédito e compensação que o bem escolhido como meio de troca ajuda a controlar.

Nesta aula, vamos ver as origens remotas do dinheiro sob o ponto de vista da Teoria Não Ortodoxa.

Por esse ponto de vista, o surgimento do dinheiro como sistema de créditos e débitos ocorreu na Mesopotâmia, onde, em 1929, foram encontradas tabuletas de argila com inscrições datadas do final do quarto milênio antes de Cristo.

Escavações na cidade de Uruk encontraram também objetos de argila de formatos e tamanhos variados, identificados em 1969 pela antropóloga Denise Schmandt-Besserat como símbolos para a correspondência biunívoca, um sistema simples para conferir se duas quantidades batem, apontado como a técnica mais antiga de enumeração que se conhece (MARTIN, 2016, pos. 736)1.

Tokens encontrados nas escavações de Uruk. Fonte: Universidade do Texas.

Esses objetos passaram a ser utilizados para marcar as tabuletas de argila úmida, dando origem à escrita, por volta do ano 3100 a.C.

Em seguida, novos objetos foram criados para representar também os números, possibilitando o surgimento da matemática e da contabilidade (MARTIN, 2016, pos. 802).

Por volta do ano 750 a.C., há evidências históricas de que a escrita e os números já haviam chegado à Grécia Antiga.

O mundo começa a ser explicado pelos números, não mais pelos deuses

A nova tecnologia fez com que a visão subjetiva de um mundo explicado pela vontade de deuses antropomórficos fosse aos poucos substituída por uma perspectiva mais objetiva, possibilitando “o surgimento do pensamento racional abstrato, da filosofia e da teoria científica, numa forma que ainda pode ser reconhecida por seus praticantes modernos” (MURRAY, 1993, p. 248)2.


Para explicar o mundo cientificamente, os primeiros filósofos gregos buscavam uma substância fundamental, única e abstrata, que estivesse por trás de todos os fenômenos do universo.

Foi essa busca que fez nascer a noção de valor universalmente aplicável, “o elo perdido, no nível intelectual, para a invenção do dinheiro” (MARTIN, 2016, pos. 1049).

Ainda segundo Martin (2016), a combinação entre o conceito de valor universalmente aplicável e a invenção dos números escritos fez com que atos como oferendas religiosas ou vitórias em competições atléticas começassem a ser valorados em termos monetários.

Logo os gregos estavam criando e negociando obrigações de forma descentralizada, sem passar por nenhuma autoridade central, dando origem ao que hoje se entende por mercado.

Não tardou para que surgissem as moedas de metal como forma de representação física do conceito de valor universal.

O surgimento das moedas de metal

A moeda mais antiga (2.700 anos), encontrada na atual Turquia. A moeda possui a figura de uma cabeça de leão em apenas um dos lados.


Embora as moedas mais antigas de que se têm registro tenham sido encontradas na Lídia e na Jônia (atual Turquia) no início do século VI a.C., foi nas cidades-estados da Grécia Antiga, no final do mesmo século, que se adotou a cunhagem como representação da medida do valor econômico, gravando-se as moedas com a identidade do emissor para garantir certo valor nominal (KIM, 2001, p. 2)3.

As cidades-estados da Grécia tornaram-se, portanto, as primeiras sociedades monetárias da história.

A sociedade monetária seguiu forte durante mais de quinhentos anos no Império Romano, até o século III, quando uma crise inflacionária fez com que a cunhagem de moedas fosse praticamente esquecida por dois séculos (HARRIS, 2006, p. 1-24)4.


Um renascimento da sociedade monetária foi esboçado no século VIII, com o império dos francos, e consolidado no século XII, quando o trabalho pago começou a substituir a obrigação de vassalos prestarem serviços ao senhor feudal por certo número de dias ao ano.

O dinheiro possibilitou uma mobilidade social a partir da acumulação de riqueza, trazendo um conceito incipiente de justiça para recompensar os indivíduos a partir do esforço, e não mais a partir da nobreza do nascimento. Ele foi, portanto, instrumento fundamental para a transição do feudalismo para o capitalismo (MARTIN, 2016, pos. 1513).


Seu ressurgimento, consolidado no século XII, foi marcado pela descentralização. Na ausência de uma autoridade central, havia padrões diferentes adotados por cada senhor feudal.

A partir da criação dos Estados Nacionais, o controle do dinheiro deixou de ser descentralizado e passou para as mãos do soberano.

Esse controle sobre o dinheiro é o que mais nos interessa para fins do curso Direito das Criptomoedas.

Locke (2005)5 dizia que mais importante do que compreender a origem do poder é entender quem deve controlá-lo. É isso o que vamos ver a partir da próxima aula. Até lá!

Notas

  1. MARTIN, Felix. Dinheiro: uma biografia não autorizada. Kindle edition. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2016.
  2. MURRAY, Oswyn. Early Greece. Londres: Fontana Press, 1993.
  3. KIM, Henry S. Archaic coinage as evidence for the use of money. Oxford: Oxford University Press, 2001. Disponível em: http://www.ibrarian.net/navon/paper/I_Archaic_Coinage_as_Evidence_for_the_Use_of_Money.pdf?paperid=1571631. Acesso em: 16 out. 2016.
  4. HARRIS, William Vernon. A Revisionist View of Roman Money. The Journal of Roman Studies, n. 96, 2006.
  5. LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Escrito por
Walmar Andrade
Walmar Andrade