Bem vindos ao quarto módulo do curso Direito das Criptomoedas. Neste módulo, vamos falar sobre a aplicação das leis vigentes no Brasil ao uso prático que as pessoas estão fazendo das criptomoedas.
Apenas para relembrar uma estatística vista no módulo dois do curso, em 2020 o Bitcoin movimentou R$ 19,8 bilhões no Brasil.
Em 2019, foi registrado um total de R$ 11,2 bilhões aplicado na criptomoeda, configurando um aumento de 77% no valor investido de um ano para o outro no Brasil (TECNOBLOG, 2021)1. Um aumento expressivo, mesmo se considerando a pandemia de coronavírus de 2020.
O uso de criptomoedas é uma realidade fática. O Bitcoin, por exemplo, foi concebido, lançado, evoluído e hoje é utilizado por milhões de pessoas, que realizam negócios com esta moeda virtual. O Direito, como se sabe, não pode negar os fatos jurídicos, entendidos como
toda ação material do homem ou todo evento exterior ou natural, que possa vir independente da vontade daquele. E quando quaisquer acontecimentos, que constituem fatos, possam gerar efeitos jurídicos, isto é, determinem o nascimento, a transmissão, a transformação ou a extinção de direitos, dizem-se fatos jurídicos.
(SILVA, 1984, p. 271)2
Considerando-se que o uso das criptomoedas é um fato jurídico, resta entender como o Direito irá tratar esse novo paradigma.
Para isso, é necessário buscar estudar, primeiro, se a regulamentação das moedas virtuais é necessária e, em caso positivo, até que ponto ela deve ser exercida com as normas vigentes ou com a elaboração de novas leis.
A legislação atual, em regra, não está preparada para lidar com as criptomoedas, o que gera uma série de questionamentos, como visto no módulo três, até mesmo para a definição da natureza jurídica desse novo instrumento.
A dificuldade de a legislação atual ser aplicada ao Bitcoin e moedas similares deve-se também ao fato de estes serem idealizados, ao mesmo tempo, como uma moeda e como um sistema de pagamentos.
Além do mais, com uma carteira de Bitcoin, o usuário é o seu próprio banco. A posse da moeda virtual está idealmente sempre com o dono da carteira, não com uma instituição financeira.
Somado ao fato de o Bitcoin não ser emitido por nenhum governo, diminuem-se consideravelmente os custos de transação com a moeda virtual, visto não haver fronteiras políticas ou geográficas, burocracia estatal ou terceiros intermediários (BRITO E CASTILLO, 2013, p. 10)3.
Tal redução de despesas é importante porque os custos de transação, junto com liquidez e reserva de valor, compõem os três principais elementos de escolha de uma moeda.
Nesse aspecto, as criptomoedas são menos custosas que as moedas fiduciárias em todos os aspectos analisados: armazenamento, transporte, manipulação, autenticação, taxas de transação, barreira de entrada, fixação de preços e controle de capital (ŠURDA, 2012, p. 29)4.
A redução dos custos de transação faz com que a necessidade de substitutos de dinheiro desapareça, tornando o sistema bancário praticamente obsoleto para a guarda de bens e diminuindo a probabilidade de aparecimento de reservas fracionárias e da consequente expansão artificial de crédito (ULRICH, 2014, p. 65)5.
Caso a liquidez do Bitcoin ou de outra moeda virtual chegue a esse nível por meio da ampliação da base de usuários, toda a legislação sobre sistema monetário teria que ser revisada e atualizada.
Segundo Ulrich (2014, p. 33), uma grande dificuldade da regulamentação jurídica das moedas virtuais é que tecnologias como o Bitcoin não se adéquam a “definições regulamentares existentes de moeda ou outros instrumentos financeiros”. Caso ela venha a acontecer, é provável que traga vantagens e desvantagens para as moedas virtuais.
A principal vantagem, por óbvio, é que o simples fato de uma lei sobre Bitcoin ser editada significa um reconhecimento do Estado de que a moeda virtual não apenas existe, mas é importante a ponto de movimentar a máquina estatal para regulamentá-la.
Além disso, o reconhecimento legal – dependendo de como for produzido – pode estimular indivíduos a transacionarem com Bitcoins, dando uma maior segurança jurídica ao seu uso como meio de troca.
Já as desvantagens incluem a intervenção do Estado em um instrumento criado para ser independente e a dificuldade de conciliação de regras matemáticas predeterminadas com medidas criadas por legisladores com intenções políticas.
Por isso, ideal seria que novas regulamentações fossem restritas ao mínimo necessário, privilegiando a aplicação da legislação já existente no que for possível.
Na próxima aula, veremos quais leis em vigor podem ser aplicadas ao uso das criptomoedas no Brasil. Até lá!
Notas
- TECNOBLOG. Bitcoin movimentou R$ 19,8 bilhões no Brasil em 2020. 8 jan. 2021. Disponível em: https://tecnoblog.net/399850/bitcoin-movimentou-r-198-bilhoes-no-brasil-em-2020. Acesso em: 19 fev 2021.
- SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 2 v.
- BRITO, Jerry; CASTILLO, Andrea. Bitcoin: A Primer for Policymakers. Arlington: Mercatus Center at George Mason University, 2013.
- ŠURDA, Peter. Economics of Bitcoin: is Bitcoin an alternative to fiat currencies and gold? Diploma Thesis, Wirtschaftsuniversität Wien, 2012. Disponível em: http://dev.economicsofbitcoin.com/mastersthesis/mastersthesis-surda-2012-11-19b.pdf. Acesso em: 26 set. 2016.
- ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014.