Três anos depois de vender milhões de cópias de Sapiens e Homo Deus e alcançar o status de celebridade internacional, Yuval Noah Harari volta às livrarias com 21 Lições para o Século 21.
Diferente de seus antecessores, este terceiro livro é mais um compilado de artigos, ideias e palestras do autor. Muitas das ideias parecem ser recicladas, com explicações mais detalhadas ou utilizando fatos novos.
Bastante factual, a obra se destina entender o que está acontecendo no mundo ao final da década de 2010 e início da década de 2020, qual é o sentido mais profundo desses eventos e como nós podemos individualmente nos guiar através das mudanças.
A mensagem é que podemos nos preparar para o futuro que já chegou admitindo nossa ignorância diante de um mundo complexo e privilegiando a razão na hora de discutir que ações tomar diante do cenário apresentado.
O livro reforça a importância do conhecimento para a distinção do que é real e do que são apenas narrativas. Somente assim poderemos lidar melhor com os grandes desafios que temos pela frente, entre os quais se destacam a ameaça de uma guerra nuclear, as mudanças climáticas e a disrupção tecnológica.
As 21 Lições para o Século 21 são divididas cada uma em um capítulo, organizados em cinco partes: o desafio tecnológico; o desafio político; desespero e esperança; verdade; e resiliência.
21 Lições para o Século 21: O Desafio Tecnológico
As quatro primeiras das 21 Lições para o Século 21 tratam dos desafios trazidos pela disrupção tecnológica, sobretudo a substituição do trabalho humano por máquinas, a vigilância constante viabilizada pelo uso de Big Data e a constatação de que governará o mundo quem governar os dados.
Harari retoma ideias de Sapiens para lembrar que o Liberalismo, a única corrente política praticável atualmente, sofre consideravelmente com o avanço da tecnologia. E que os líderes políticos não tratam a crise do trabalho como deveriam.
O autor considera que avanços na inteligência artificial vão tomar decisões governamentais que nem mesmo nós, humanos, seremos capazes de explicar. A automação crescente vai gerar uma massa de seres humanos cujo trabalho é completamente dispensável.
Esse medo de não ter emprego para si ou para os filhos teria levado as pessoas a desacreditar políticos e instituições tradicionais. Isso explicaria, em parte, o resultado de votações polêmicas, como o Brexit e a eleição de Donald Trump em 2016.
Harari considera que, para um trabalhador, ser inútil, como se prevê em 21 Lições para o Século 21, é muito pior do que ser explorado, como acontecia até então.
O fim dos empregos
Posto que a automação do trabalho é fato certo, uma alternativa à criação de uma massa de pessoas cujo trabalho é dispensável seria aproveitar os avanços tecnológicos para prover uma maior qualidade de vida a todos – independentemente de seus trabalhos.
A visão aqui seria de que as máquinas vão realizar trabalhos nos quais elas são melhores, deixando aos humanos tempo livre para cuidar de outras questões. Aí se incluem tempo livre, relacionamentos, autocuidados e até mesmo o desenvolvimento de máquinas ainda mais eficientes – caso elas não se construam sozinhas.
O autor não é tão otimista para crer na concretização desta alternativa. Para ele, o mais provável é que a automação do trabalho tenha impactos destrutivos sobre a sociedade.
Harari lembra que os humanos possuem capacidades físicas e cognitivas. Desde a primeira Revolução Industrial, as máquinas têm substituído os humanos principalmente em suas capacidades físicas. O avanço da inteligência artificial, no entanto, tem levado à substituição também de tarefas cognitivas.
Neste ponto, 21 Lições para o Século 21 repete a opinião dada em Homo Deus de que os seres humanos na verdade não têm livre-arbítrio. Nossas decisões seriam meramente um processo biológico. E, como todo processo, nossas decisões também podem ser substituídas por algoritmos.
Em outras palavras, nenhum emprego estará a salvo.
21 Lições para o Século 21: O Desafio Político
A segunda parte de 21 Lições para o Século 21 aponta um grande paradoxo político.
No momento em que as maiores ameaças à humanidade (guerra nuclear, mudanças climáticas e disrupção tecnológica) exigem uma grande cooperação internacional, observamos o fortalecimento do nacionalismo em boa parte do planeta.
Harari lembra que só existe uma civilização no mundo. Uma bomba nuclear não vai respeitar fronteiras geográficas. A poluição gerada em um país não vai deixar de afetar os demais. A perda de empregos em uma nação vai gerar impactos em todo o globo.
Problemas globais exigem respostas globais, no entanto o que vemos são grandes nações – incluindo os Estados Unidos pelo menos de 2016 a 2020 – apostando no isolacionismo retórico, no protecionismo e na ideia de nacionalismo como antídoto para um suposto mal chamado “globalismo”.
O problema da imigração, em alta na época de publicação de 21 Lições para o Século 21, é tratado em capítulo específico. Harari lembra que os ideais da União Europeia de convivência entre os povos do continente sofre um grande desafio com a chegada de milhões de imigrantes de outros continentes.
Devemos temer mais o trânsito do que o terrorismo
Após o atentado de 11 de Setembro, o terrorismo matou cerca de 10 pessoas nos Estados Unidos entre 2001 e 2018. No mesmo período, o trânsito matou cerca de 40 mil pessoas. Ainda assim, muito mais atenção foi dada ao combate ao terrorismo do que aos acidentes de trânsito.
Isso acontece pela capacidade do terrorismo de mexer com a mente das pessoas. O terrorismo é uma técnica utilizada pelo lado mais fraco de uma disputa para incutir medo na cabeça de seus oponentes.
Harari compara os grupos terroristas com uma pequena mosca tentando quebrar uma loja de produtos chineses. O pequeno inseto não tem capacidade para cumprir seu objetivo. Então começa a zumbir no ouvido de um grande touro, para que o mamífero inquieto acabe destruindo tudo ao seu redor.
Os terroristas não ganham suas batalhas quando realizam um atentado bem sucedido. Eles ganham quando suas táticas conseguem fazer os adversários reagirem de forma desproporcional à real ameaça.
A lição do terrorismo está diretamente relacionada com as duas lições seguintes apresentadas no livro, sobre guerra e humildade.
O desafio de distinguir a verdade das narrativas inventadas
Na quarta parte de 21 Lições para o Século 21, Harari lembra que o ser humano conhece muito menos sobre si mesmo do que gostaria de admitir.
Gostamos de pensar que somos seres de razão, tomadores de decisão com base em um raciocínio lógico. Isso fundamenta tanto o sistema democrático, no qual se supõe que a maioria escolhe racionalmente seus governantes, quanto o sistema capitalista, no qual se supõe que o cliente tem sempre razão.
As pessoas sofrem o que os cientistas chamam de “ilusão do conhecimento”. Achamos que sabemos muito mais do que realmente sabemos sobre o funcionamento do mundo e sobre o funcionamento do nosso próprio cérebro.
Admitir a própria ignorância, portanto, é um ato de humildade que nos ajuda a entender a complexidade do mundo.
Exemplo claro de como ainda temos muito caminho a percorrer é a facilidade com que notícias falsas conseguem se espalhar. Mesmo fake news absurdas, como o terraplanismo, encontram eco em milhares de pessoas ao redor do mundo.
A parte do livro sobre Verdade ainda trata da ficção científica, lembrando que o nosso futuro não é o que vemos nos filmes.
Nos filmes, a distopia futurista geralmente é retratada como uma rebelião das máquinas. As máquinas tornam-se tão superiores aos humanos que a certo ponto se rebelam e decidem tomar o planeta.
Harari diz temer menos que máquinas decidam desobedecer os humanos e iniciar uma revolução. Seu maior temor, na verdade, é o contrário. É que as máquinas decidam obedecer cegamente aos comandos dados por humanos.
Educação e autoconhecimento são as melhores armas para se preparar para o futuro
A quinta e última parte do livro traz três lições sobre educação, sentido e meditação.
Na lição sobre educação, Harari questiona que tipo de assuntos deveriam ser ensinados hoje a crianças que estarão na idade adulta por volta de 2050 e que viverão até 2100.
O autor propõe que todo o sistema de ensino deve ser reformulado, pois o que é ensinado hoje provavelmente não atenderá às necessidades do futuro. O foco do ensino deveria ser menos em transmitir informações e mais em capacitar as crianças a processar toda a informação que está facilmente acessível.
As duas últimas lições tratam do sentido da vida e da prática da meditação. Harari lembra que a vida não é simplesmente uma história e revela seus rituais de meditação, que incluem duas horas diárias da prática de Meditação Vipassana e um retiro anual de vários dias meditando.
Meditação Vipassana é uma das mais antigas técnicas de meditação conhecidas e que supostamente foi utilizada por Sidarta Gautama, o Buda histórico, para alcançar a iluminação.
A mensagem da parte que encerra o livro é justamente que a educação e o autoconhecimento são as melhores ferramentas que as pessoas podem utilizar individualmente para se preparar para um futuro que na verdade ninguém sabe exatamente como será.