Criptomoeda é moeda ou apenas um meio de troca secundário?

Criptomoeda como meio de troca

Em um mundo no qual as moedas não possuem mais lastro, o valor de uma moeda depende de decreto governamental e da confiança que a sociedade tem naquele decreto.

O dinheiro, segundo a Teoria Estatal da Moeda que vimos na aula anterior do curso Direito das Criptomoedas, seria hoje uma criatura do Direito.

Por outro lado, há economistas que contestam a Teoria Estatal da Moeda por esta ser uma tese que não explica os fenômenos monetários por meio das leis das trocas de mercado, mas sim por meio do Direito.

Como vimos no módulo dois do curso, as criptomoedas foram criadas para operar independentemente de governos e à margem do Direito. Elas só poderiam ser explicadas, portanto, por uma teoria catalática, uma teoria que analise ações a partir de cálculos matemáticos e que rastreie a formulação de preços até sua origem.

Assim, não importa se a definição jurídica de moeda exija que ela seja emitida pelo Estado. O que importa é se ela funciona como meio de troca, como instrumento para a realização de negócios jurídicos.

Em outras palavras, independentemente do reconhecimento legal como dinheiro, quando duas pessoas utilizam uma criptomoeda como meio de troca, está sendo realizado um negócio jurídico. 

Um exemplo de teoria cataláctica formulada por Mises é a Teoria do Dinheiro e da Moeda Fiduciária, em que se expõe o Teorema da Regressão para análise e compreensão da origem e do valor do dinheiro (MISES, 1953, p. 30)1

Teorema da Regressão

Segundo o Teorema da Regressão, um bem – como o ouro ou a prata – só vem a se tornar meio de troca depois de ter obtido algum valor como mercadoria.

Posteriormente, não é mais necessário que o bem possua outro uso que não servir como meio de troca, agora amplamente aceito. Seu valor pode passar a depender exclusivamente de seu uso como dinheiro.

O mesmo aconteceu com o Bitcoin, visto que as primeiras transações foram realizadas por pessoas que se interessavam em adquirir a moeda virtual para satisfazer alguma necessidade individual, e não para ser usada como meio de troca.

Há um paralelo com o ouro, que nos primórdios também não tinha um valor de uso objetivo, servindo inicialmente apenas como adorno ou enfeite para vestimentas e construções (ULRICH, 2014, p. 52)2.

O Teorema da Regressão “não é meramente um conceito instrumental de teoria; é um fenômeno real de história econômica, que se faz aparente no momento em que a troca indireta começa” (MISES, 1953, p. 121).

No caso do Bitcoin, os arquivos digitais começaram se tornar meio de troca quando ocorreu a citada compra da pizza mais cara do mundo por Laszlo Hanyecz em maio de 2010.

Moedas e meios de troca não são a mesma coisa

O próprio Mises, no entanto, diferencia o conceito de meio de troca do conceito de moeda.

Para ele, apenas um meio de troca que seja de uso comum pode ser denominado de moeda (MISES, 2010, p. 465)3.

O economista, contudo, lembra que o termo “de uso comum” é vago, dificultando a conceituação. Por exemplo, o real é considerado de uso comum no Brasil, mas não na Austrália.

Seguindo esse raciocínio, uma possível classificação para o Bitcoin seria a de um meio de troca secundário, entendido como bens de alto grau de negociabilidade secundária, tais quais joias, créditos resgatáveis contra bancos, títulos de grande volume e liquidez, certas ações ou mercadorias de alta negociabilidade (MISES, 2010, p. 537).

Então meio de troca (ou meio de troca secundário) seria a nossa primeira opção para a natureza jurídica das criptomoedas.

Na próxima aula, vamos analisar outras opções: criptomoedas como dinheiro propriamente dito ou como quase-moeda. Até lá!

Notas

  1. MISES, Ludwig von Mises. The Theory of Money and Credit. New Haven: Yale University Press, 1953.
  2. ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014.
  3. MISES, Ludwig von. Ação Humana. Um tratado de economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
Escrito por
Walmar Andrade
Walmar Andrade