A falsa associação entre criptomoedas e atividades ilícitas

Criptomoedas Ilícitas

Nas últimas aulas do curso Direito das Criptomoedas, vimos que moedas digitais criptografadas, descentralizadas e que operam à margem de governos e leis foram idealizadas desde os primórdios da internet na década de 1990.

O fato de o Bitcoin e outras criptomoedas permitirem que as pessoas criem e mantenham carteiras virtuais com o uso de pseudônimos trouxe a preocupação de as moedas virtuais serem utilizadas em atividades ilícitas (BRITO e CASTILLO, 2013, p. 22)1.

Tal associação ganhou força entre 2011 e 2013, quando a polícia dos Estados Unidos investigou e encerrou as atividades do site Silk Road, que funcionava como um comércio eletrônico para venda de produtos e serviços ilegais, utilizando o Bitcoin como principal meio de pagamento (ULRICH, 2014, p. 31)2.

Já em maio de 2017, naquele que foi então considerado o maior ciberataque da história, criminosos invadiram computadores de empresas e órgãos governamentais de pelo menos 74 países, encriptando arquivos e exigindo o pagamento de resgate em Bitcoin para reverter a criptografia (BERCITO, 2017)3

Apesar da recorrente associação, o fato de o Bitcoin e criptomoedas similares permitirem o uso de pseudônimos não significa que a realização de atividades ilícitas seja facilitada. Pelo contrário. No caso do Bitcoin, conforme visto, todas as transações da história da moeda ficam registradas em um banco de dados público.

Ulrich (2014, p. 32) lembra que os criminosos podem “tentar proteger seus endereços de Bitcoin e suas identidades, mas seus registros de transações serão sempre públicos e acessíveis a qualquer momento pelas autoridades”.

Segundo o autor, cruzando-se os registros públicos com outras informações de identificação, como endereços IP (internet protocol) dos dispositivos utilizados, pode-se descobrir a identidade real do dono de uma carteira de Bitcoin registrada sob pseudônimo.

Experimentando cruzamentos de dados desse tipo, Ober, Katzenbeisser e Hamacher (2013, p. 12)4 realizaram estudo estatístico em que puderam observar padrões estruturais no comportamento de usuários da moeda virtual, permitindo-se inferir a real identidade de proprietários de carteiras de Bitcoin.

Além disso, se uma moeda é utilizada para atividades ilícitas, o combate deve ser ao crime em si, e não ao meio de pagamento. Não se cogita culpar o real ou o dólar quando tais moedas são usadas para comprar armas ilegais ou como pagamento de resgate em um sequestro.

Muitas das potenciais desvantagens do Bitcoin são as mesmas enfrentadas pelo tradicional dinheiro vivo. Este tem sido historicamente o veículo escolhido por traficantes e lavadores de dinheiro, mas os legisladores jamais seriamente considerariam banir o dinheiro vivo por causa disso.

À medida que os reguladores comecem a contemplar o Bitcoin, eles deveriam ser cautelosos com os perigos da regulação excessiva.

No pior cenário possível, os reguladores poderiam impedir que negócios legítimos se beneficiem da rede Bitcoin sem impor nenhum empecilho ao uso do Bitcoin por traficantes ou lavadores de dinheiro (ULRICH, 2014, p. 32-33).

Brito e Castillo (2013, p. 24) recomendam cautela aos reguladores ao lidar com a associação entre criptomoedas e atividades ilícitas, pois o excesso pode levar à falência casas de câmbio e empresas legítimas, sem afetar da mesma maneira criminosos que, de qualquer maneira, não se submetem à regulamentação jurídica.

Segundo Ulrich (2014, p. 31), “o crime está na ação do infrator, jamais na tecnologia empregada para tal. O Bitcoin, ou qualquer outra forma de dinheiro, pode ser usado para o bem ou para o mal”.

A conclusão, portanto, é que o Bitcoin não favorece nem desfavorece a realização de atividades criminosas, mas é uma tecnologia neutra que pode ser utilizada com diversas intenções, assim como qualquer outra moeda.

No próximo módulo do curso Direito das Criptomoedas, vamos ver em maiores detalhes como pode se dar a regulamentação jurídica de moedas virtuais.

Antes, no entanto, vamos elucidar na última aula do módulo dois o maior mistério sobre a invenção das criptomoedas: quem é Satoshi Nakamoto? Respostas na próxima aula.

Notas

  1. BRITO, Jerry; CASTILLO, Andrea. Bitcoin: A Primer for Policymakers. Arlington: Mercatus Center at George Mason University, 2013.
  2. ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014.
  3. BERCITO, Diogo. Onda de ciberataques atinge órgãos e empresas em ao menos 74 países. Folha de S. Paulo, 12 de maio de 2017. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/05/1883408-mega-ciberataque-derruba-sistemas-de-comunicacao-ao-redor-do-mundo.shtml. Acesso em : 16 maio 2017.
  4. OBER, Micha; KATZENBEISSER, Stefan; HAMACHER, Kay. Structure and Anonymity of the Bitcoin Transaction Graph. Future Internet 5, n. 2, 2013. Disponível em: http://www.mdpi.com/1999-5903/5/2/237/htm. Acesso em: 9 maio 2017.
Escrito por
Walmar Andrade
Walmar Andrade