Os 8 Princípios do Marco Civil da Internet

Princípios do Marco Civil da Internet

Os chamados princípios do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) na verdade são princípios para a disciplina do uso da internet no Brasil.

Tais princípios estão listados no art. 3º, da seguinte forma:

  1. Garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, de acordo com a Constituição;
  2. Proteção da privacidade;
  3. Proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
  4. Preservação e garantia da neutralidade da rede;
  5. Preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
  6. Responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
  7. Preservação da natureza participativa da rede;
  8. Liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta lei.

Princípios jurídicos são as diretrizes fundamentais que orientam a compreensão, interpretação e aplicação das leis. Eles servem como a base para o sistema legal e ajudam a garantir a coerência e a integridade do Direito. Na lição de Miguel Reale:

“Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários”.

(REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p 60).

Vejamos, então, cada um dos oito princípios do Marco Civil da Internet.

1. Liberdade de Expressão, Comunicação e Manifestação de Pensamento 

No artigo sobre os fundamentos do Marco Civil da Internet, ressaltamos como a liberdade de expressão aparece em posição de destaque no caput do art. 2º.

O legislador achou por bem repeti-la aqui como um dos princípios do Marco Civil da Internet, acrescentando a liberdade de comunicação e manifestação de pensamento. 

A internet deve ser uma plataforma que fomente a livre circulação de ideias e informações, em sintonia com os preceitos democráticos e seguindo a lógica geral do ordenamento jurídico brasileiro.

Isso significa que ela não é um princípio absoluto, como aliás nenhum é. A liberdade de expressão não pode ser usada como um escudo para a prática de crimes como racismo, homofobia e outros tipos de discursos de ódio.

2. Proteção da Privacidade

A privacidade em termos jurídicos pode ser definida como o direito à reserva de informações pessoais e à liberdade na vida privada, protegendo o indivíduo contra intromissões não consentidas. 

Alan Westin, no livro Privacy and Freedom (1967), define privacidade como o direito de uma pessoa de controlar o acesso a informações pessoais e a sua própria pessoa. 

Este fundamento seria, portanto, uma condição fundamental para a dignidade e autonomia humana, destacando que a capacidade de controlar informações pessoais é essencial para a manutenção da liberdade individual em uma sociedade democrática. 

3. Proteção dos Dados Pessoais, na forma da lei

O terceiro dos princípios do Marco Civil da Internet visa garantir a segurança e a integridade dos dados pessoais contra acessos e tratamentos indevidos. A proteção dos dados pessoais está intrinsecamente ligada ao princípio da privacidade. 

Quando o Marco Civil da Internet cita “na forma da lei”, prevê uma legislação a ser editada posteriormente regulamentando a proteção de dados. Tal legislação, editada quatro anos depois, foi a Lei 13.709/2018, que ficou conhecida como LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Segundo o professor Danilo Doneda, é essencial que haja transparência e consentimento no tratamento dos dados, além de mecanismos eficazes de proteção e controle por parte dos usuários. Não por acaso, Doneda é considerado o pai da LGPD

4. Neutralidade de Rede: um dos mais importantes princípios do Marco Civil da Internet

A neutralidade de rede, como destaca Ronaldo Lemos, é o princípio que garante que todos os dados na internet sejam tratados igualmente, sem discriminação quanto à origem, destino ou conteúdo. 

Essa premissa é vital para a manutenção de um ambiente digital equitativo, promovendo a liberdade de escolha e a concorrência justa entre os provedores de conteúdo e serviços.

A neutralidade de rede foi definida no art. 9º do próprio Marco Civil da Internet, que dispõe que “o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”.

Este princípio não é absoluto, pois o próprio Marco Civil traz exceções, como a manutenção de serviços e a priorização de serviços de emergência. Isso não descarta o fato de que, por lei, todos os pacotes de dados deveriam receber o mesmo tratamento na hora da transmissão, comutação ou roteamento.

5. Estabilidade, Segurança e Funcionalidade da Rede

Este princípio está relacionado à necessidade de assegurar uma infraestrutura de rede estável, segura e funcional. 

Segundo o professor Sergio Branco, a estabilidade e a segurança são fundamentais para a confiabilidade do ambiente digital, envolvendo desde a implementação de protocolos técnicos até a adoção de boas práticas pelos usuários e empresas.

6. Responsabilização dos Agentes: o mais polêmico dos princípios do Marco Civil da Internet

Aqui entramos no mais polêmico dos princípios do Marco Civil da Internet, ao menos em termos de repercussões jurídicas.

Este princípio, como explica Patricia Peck em seu Manual de Direito Digital, é essencial para definir as responsabilidades legais no ambiente digital, estabelecendo critérios claros para a atuação dos provedores de serviços e conteúdo, além de enfatizar a importância da conduta dos usuários na rede.

A responsabilização será detalhada nos arts. 18 a 21, sendo que há questionamentos quanto à constitucionalidade de certos dispositivos, sobretudo do art. 19, o que traz a necessidade de um artigo separado somente sobre este tópico.

7. Natureza Participativa da Rede

Este princípio reforça que a internet deve promover a participação social. O próprio Marco Civil da Internet foi um exemplo da natureza participativa da rede, já que foi um caso exemplar de lei construída com intensa participação social.

Para o professor Carlos Affonso Souza, a natureza participativa da rede é um dos alicerces para a construção de uma sociedade digital mais ativa e democrática, incentivando a colaboração e o compartilhamento de conhecimento entre os usuários.

8. Liberdade de Modelos de Negócios

O princípio da liberdade para estabelecer modelos de negócios na internet busca permitir a inovação e diversificação no ambiente digital, promovendo o desenvolvimento econômico e tecnológico. 

O último dos princípios do Marco Civil da Internet é essencial para fomentar a criatividade e o empreendedorismo online, desde que respeitados os demais princípios da legislação, especialmente no que tange à proteção dos dados pessoais e à neutralidade da rede.

Recapitulando os 8 princípios do Marco Civil da Internet

Entender os princípios do Marco Civil da Internet é crucial não apenas para a compreensão da legislação atual, mas também para antever as tendências futuras na regulamentação digital alinhada à lei fundamental da internet no Brasil.

Recapitulando a lista com os princípios para a disciplina do uso da internet no Brasil:

  1. Garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, de acordo com a Constituição;
  2. Proteção da privacidade;
  3. Proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
  4. Preservação e garantia da neutralidade da rede;
  5. Preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
  6. Responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
  7. Preservação da natureza participativa da rede;
  8. Liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta lei.

O destaque dado aos princípios do Marco Civil da Internet, bem como aos seus fundamentos, mostra a opção do legislador por fazer uma lei bastante principiológica, que serve como baliza para a interpretação não só da própria Lei nº 12.965/2014, mas também de outros normativos que precisem ser interpretados de acordo com a lógica de funcionamento da internet.


Foto: Karolina Grabowska

Escrito por
Walmar Andrade
Walmar Andrade