Biohacking: como hackear sua biologia para se tornar uma versão sobre-humana de você mesmo

Biohacking

Eddie Morra era um escritor que não conseguia mais escrever. Certo dia, ele encontra na rua seu ex-cunhado, que lhe apresenta um remédio experimental que permite o uso de 100% da capacidade cerebral. Biohacking!

Basta tomar uma pílula e Eddie fica extremamente focado, produtivo, criativo e com capacidade de fazer coisas incríveis, como aprender outros idiomas, fazer cálculos complicados e escrever muito rapidamente.

Essa é a história do filme Sem Limites, no jeito hollywoodiano de explicar às massas o que é biohacking.

Se Eddie Morra é ficção, já são realidades casos tão impressionantes quanto.

Homens com visão noturna, dedos magnéticos, gente que não sente frio e muitos outros que conseguem alterar o próprio organismo por meio de intervenções, de nootrópicos (smart drugs) ou até de técnicas de alimentação.

São os chamados biohackers.

Continue lendo este post para saber:

Interessou-se? Então vamos definir logo o que é (e o que não é) biohacking.

O que é biohacking e como isso pode mudar o seu futuro

Você já imaginou poder hackear o seu próprio organismo para ser mais inteligente, produtivo e focado?

Ou até para fazer coisas sobre-humanas, como enxergar no escuro, sentir campos eletromagnéticos ou controlar aparelhos eletrônicos com as mãos?

Biohacking é a prática de misturar biologia com ética hacker para você desenvolver o seu próprio corpo até que ele consiga fazer coisas que não fazia antes, às vezes até coisas consideradas sobre-humanas.

O termo começou a aparecer por volta de 1998, mas somente nos últimos anos, com o desenvolvimento tecnológico, ganhou força a aplicação prática fora dos laboratórios universitários.

O que diferencia o biohacking do restante do universo do desenvolvimento pessoal é a abordagem a partir de um ponto de vista biológico.

Se o desenvolvimento pessoal tradicional usa técnicas como “metas escritas” ou “timebox” para deixar você mais produtivo, o biohacking utiliza vai tentar fazer o mesmo com algum implante, suplemento ou alimento.

Existem basicamente duas grandes vertentes:

  1. Abordagem interventiva: é a prática de melhorar o próprio corpo com o uso de implantes que melhorem a sua capacidade. Isso vai desde a mulher que implanta um chip no braço que libera anticoncepcional periodicamente até gente que injeta uma substância nos olhos para ter uma visão noturna. Esses biohackers são conhecidos como Grinders.
  2. Abordagem não interventiva: é o uso de elementos externos para melhorar a sua performance. Podem ser áudios binaurais para aumentar a concentração, luz azul para dormir mais profundamente, jejum intermitente para aumentar os níveis de energia etc.

Nos dois casos, o que se busca é hackear a própria biologia para procurar ser a melhor versão de você mesmo. O assunto é tratado em livros como Homo Deus.

Isso é chamado de transhumanismo: a crença de que é possível, e também desejável, alterar fundamentalmente a condição humana através do uso de tecnologias e fazer um ser humano superior.

Você pode agora estar pensando que isso é algo muito futuristas e distante da nossa realidade. Vamos provar o contrário.

Por que o biohacking já é uma realidade há anos

Biohacking: visão noturna

Nem todos os seres humanos nascem com a visão perfeita. Alguns sofrem com miopias, hipermetropias, astigmatismo etc.

Nós convivemos com isso por uns 198 mil anos.

Até que, no século I, alguns estudiosos cortaram pedras semipreciosas em lâminas finas e criaram os primeiros óculos de grau para perto.

Esse é um exemplo de biohack não interventivo: os óculos ficam fora do seu corpo.

Passamos mais uns 1.400 anos dessa forma, até que Leonardo Da Vinci veio com a ideia de inicial de aplicar as lentes corretivas diretamente na superfícia do olho.

Sim, Da Vinci era um biohacker e nem sabia!

Foram necessários mais 373 anos até que a ideia de Da Vinci fosse transformada nas primeiras lentes de contato por meio do trabalho de Adolf Eugen Fick.

As lentes de contato são um exemplo de biohack mais ou menos interventivo: você não as implanta definitivamente, mas tira e coloca no seu corpo.

Há menos de cem anos, o oftalmologista japonês Tsutomu Sato veio com uma ideia ainda mais radical: fazer cortes diretamente no olho humano para corrigir as imperfeições que causam problemas de visão.

Hoje as cirurgias corretivas são feitas de maneira rápida, segura e precisa. Passamos de óculos a nada em um espaço de uns dois mil anos.

Podeíamos nos contentar com isso, mas o desejo de melhoria não para e há agora quem queira não apenas ter uma visão perfeita, mas também uma visão sobre-humana.

Em 2015, um grupo de biohackers em Los Angeles decidiu injetar nos olhos 50 mililitros de uma subtância química chamada CE6. O objetivo? Ter uma visão noturna.

Biohacking

Gabriel Licina começou a sentir os efeitos uma hora depois. Seus olhos ficaram completamente negros e ele começou a conseguir enxergar objetos a 50 metros de distância, mesmo em ambientes escuros.

Esses biohackers são pessoas que estão testando a ciência no limite, com altos riscos para o próprio corpo, mas que podem gerar avanços significativos para a ciência.

Eles se reúnem em laboratórios específicos e são adeptos do que se costuma chamar de DIY Bio.

Hacking Lab: o hackspace onde se pratica a DIYBio

Na palestra acima, Ellen Jorgensen, fundadora da Genspace, explica o que é DIYBio (Do it yourself biology, algo como Faça biologia você mesmo).

Esse é um movimento surgido em 2009 que promove a idéia de tornar a biotecnologia acessível ao cidadão comum e não apenas a cientistas e governantes.

Ela criou um Hacking Lab, um espaço onde pessoas comuns interessadas em ciência podem ir para fazer e testar seus experimentos.

A ideia de um hackspace é que a inteligência coletiva, compartilhada em rede, tem um potencial muito maior para atingir resultados inovadores do que pequenos grupos de cientistas em algumas poucas universidades do mundo que realmente fazem ciência.

Jorgensen é certeira ao falar que as pessoas que hoje em dia se perguntam “O que eu faria em um hackspace?” são as mesmas que se perguntariam “O que eu faria com um computador pessoal?” há algumas poucas décadas.

Quer saber o que esses vanguardistas andam fazendo nos hacking labs mundo afora? Vamos ver alguns exemplos.

Biohackers famosos

Neil Harbisson: o homem que consegue ouvir cores

biohacking Neil Harbisson

Neil Harbisson nasceu com uma síndrome médica chamada acromatopsia, que é a incapacidade total de distinguir cores.

Em outras palavras, desde que nasceu ele vê o mundo em preto e branco.

Para resolver isso, Neil desenvolveu e implantou, com auxílio de médicos, um sistema que permite a ele ouvir um som para cada tipo de cor reconhecido pela câmera acoplada à sua cabeça.

Cada cor vibra em uma frequência. Então se a câmera capta um azul, Neil escuta um Dó, se ela capta um laranja, ele escuta um Fá.

Com o tempo, o cérebro começou a associar cada som a uma cor. Ela passou até a sonhar em cores, com o próprio cérebro criando os sons aos quais estava acostumado.

Harbisson é o que pode se chamar de um verdadeiro ciborgue, pois a câmera passou a ser uma extensão do seu próprio corpo.

Dave Asprey: café com manteiga, lentes laranjas e áudios binaurais

Biohacking - Dave Asprey

Dave Asprey trabalhava com informática e sentia-se sempre cansado, apesar de não ser gordo nem possuir qualquer doença.

Em uma viagem ao Tibete, em 2004, ele provou uma bebida local feita com chá e manteiga de iaque para combater os efeitos da altitude.

Imediatamente, passou a se sentir com uma energia nunca antes vista.

Quando voltou aos Estados Unidos, passou a tentar replicar essa bebida e tornou-se um obcecado por alta performance.

Biohacking é a arte de usar a tecnologia com o objetivo de mudar o ambiente tanto dentro quanto fora do corpo, para assumir o controle do organismo e fazê-lo agir como se deseja. ~ Dave Asperey

Seus biohacks incluem o famoso café com manteiga (batizado por ele como Bulletproof Coffee, ou Café a prova de balas), o uso de óculos com lentes alaranjadas para uma noite de sono mais tranquilo e a audição de sons binaurais para ter mais foco.

Asprey é hoje um dos biohackers mais famosos do mundo e fez disso sua profissão, vendendo livros, dando palestras e faturando em cima dos experimentos que faz consigo mesmo.

Amal Graafstra: implantando chips no próprio corpo

Amal Graafstra

Em 2005, Amal Graafstra implantou um chip do tamanho de um grão de arroz na sua mão esquerda, praticando o que se chama de body hack.

O objetivo? Abrir automaticamente a fechadura eletrônica da porta de casa.

Em mais de dez anos, ele já implantou diversos biochips no próprio corpo, com dinheiro obtido por meio de sites de financiamento coletivo.

Os experimentos que faz em si próprio ele também vende a outros.

Um cliente criou uma espécie de tatuagem digital que ele pode aproximar de celulares e mostrar a arte na tela.

Outro resolveu distribuir cópias gratuitas de um game que criou, bastando para isso aproximar a própria mão de um celular qualquer.

Amal Graafstra acredita que o biohacking é o próximo passo na evolução humana e por isso começou a vender, por 40 dólares, um kit que promete transformar qualquer um em um ciborgue.

O brasileiro Raphael Bastos, de Belo Horizonte, foi um desses. Ele implantou um biochip que o permite abrir portas e catracas apenas aproximando a mão.

Lepht Anonym: entusiasta do transhumanismo

Lepht Anonym

Lepht Anonym é uma biohacker europeia radical que prega que todos nós podemos transcender as capacidades humanas normais sem nem precisar de um laboratório.

Ela passou os últimos anos aprendendo a ampliar suas capacidades implantando ímãs e outros artefatos no próprio corpo.

Com isso, ela é capaz de sentir campos eletromagnéticos de pequenos aparelhos e, em breve, dos próprios polos magnéticos da Terra.

O mais assustador é que ela faz tudo sozinha, na cozinha de casa, anestesiada e esterilizada com doses de vodka.

Lepth é uma entusiasta do you can do it, defendendo que o transhumanismo só será uma realidade se todos tiverem acesso a ele fora dos hackspaces.

Claro que não é um procedimento nada seguro. Lepth Anonym já desmaiou durante os procedimentos, foi internada, recebeu repreensões médicas. Nada que a impedisse de parar…

Ok, mas como usar o biohacking na prática?

Esses exemplos de biohackers extremos podem fazer com que você pense que o biohacking ainda é algo muito distante da sua realidade.

Nada menos verdadeiro.

Estamos rodeados por pessoas com marca-passos regulando os batimentos do coração, mulheres com chips no braço liberando anticoncepcionais, deficientes auditivos com aparelhos que os permitem ouvir etc.

Mesmo que você não tenha nenhuma necessidade especial, pode usar o biohacking por conta própria e sem precisar implantar nada no corpo apenas para melhorar a sua performance.

As duas principais coisas que você pode hackear são sua alimentação e o seu sono.

Biohacking Dieta: mudando o seu corpo por meio dos hacks

A alimentação moderna é um verdadeiro desastre.

Alimentos industrializados, repletos de açúcar, conservantes químicos e outras substâncias que acabam com nossa saúde e reduzem sensivelmente a nossa performance.

Hackear a sua dieta significa escolher cuidadosamente e consumir adequadamente os alimentos que vão melhorar exponencialmente a sua saúde, o seu foco, a sua produtividade.

Tudo isso com base na ciência e na sua condição genética.

Hoje qualquer pessoa pode, inclusive no Brasil, com um simples exame de sangue, testar o próprio DNA contra mais de 220 alimentos para saber quais deles são mais bem tolerados pelo organismo.

Segundo o Dr. Tom O’Bryan, nosso cérebro e nosso sistema digestivo estão intimamente interconectados.

Se você tem algum tipo de intolerância e mesmo assim consome o alimento, sofre com inflamações. E inflamações deixam nosso cérebro mais lerdo.

Por mais interessante que sejam os artefatos tecnológicos, não existe nenhuma variável mais poderosa do que a alimentação quando se está tentando controlar o corpo para atingir o resultado desejado.

O mais eficiente hack para melhorar sua saúde, ter mais energia e manter-se com baixo percentual de gordura corporal é trocar a fonte primária do seu corpo de carboidratos para gorduras.

Isso significa que pelo menos 50% a 70% das suas calorias devem ser consumidas em forma de gordura, 20% em proteínas e apenas 10% a 30% em carboidratos.

Ainda assim, esses carboidratos devem vir de hortaliças e algumas poucas frutas.

Outro hack muito utilizado para ter mais foco é praticar o jejum intermitente ao menos uma vez por semana, seguindo protocolos como o descrito no livro Eat, Stop, Eat, de Brad Pilon.

Além de comer bem, outro fator essencial para a sua performance é o descanso.

Biohacking Sono: como revolucionar a forma como você dorme

Biohacking sono

Esqueça os remédios para dormir e seus terríveis efeitos colaterais.

A abordagem do biohacking para ter uma melhor noite de sono inclui a exposição a tipos de luzes específicas antes de dormir, o uso de aplicativos para mudar a radiação do computador e do celular, suplementos de magnésio e até filtros contra emissões eletromagnéticas.

Um bom protocolo para começar é:

Pela abordagem biohacker, a qualidade do sono é muito mais importante do que a quantidade. Alguns advogam até que dormir 8 horas seria um exagero.

O principal ponto do sono é que ele permite que nossos órgãos se regenerem e que nosso cérebro limpe as toxinas acumuladas durante o dia.

Essas técnicas de biohacking voltadas para o cérebro, inclusive, recebem o nome de neurohacking.

Qual a diferença entre biohacking e neurohacking?

Enquanto o biohacking se preocupa com qualquer célula do nosso corpo, o neurohacking está focado em nosso principal órgão, o cérebro, mais especificamente em suas capacidades como estrutura física adjacente da mente.

O objetivo final é ter uma mente capaz de manter um sentimento profundo de serenidade e realização, um estado que permeia e sustenta todos os estados emocionais e todas as alegria e tristezas que cruzam o nosso caminho.

Você sabia que um monge budista, que medita diariamente até por horas, conseguem alterar a própria estrutura física do cérebro em busca de um estado onde não existe nada mais além de compaixão?

Ou que um violinista, que treinou seu instrumento por mais de 10 mil horas, também tem alterada a estrutura cerebral, aumentando o reforço das ligações sinápticas relacionadas aos movimentos dos dedos?

Neurohacking é a parte mais interessante do biohacking porque permite que qualquer um de nós consiga aumentar intencionalmente a própria performance, tornando-nos pessoas mais capazes, inteligentes, focadas e produtivas.

O desejo por essas qualidades é tanto que alguns biohackers apelam até para as drogas…

Smart Drugs: O controverso caso dos nootrópicos

Ray Kurzweil

Lembra o exemplo que abriu este post? Uma pílula que faz um escritor com bloqueio criativo usar 100% da sua capacidade cerebral?

Pois isso está muito mais perto da realidade do que você imagina.

Nos Estados Unidos, mais de 60 mil pessoas são assinantes de um serviço chamado Nootrobox, que entrega mensalmente uma caixa com diversos suplementos para aumentar a capacidade cerebral.

Esses suplementos são conhecidos como smart drugs (algo como droga da esperteza) ou nootrópicos.

Nootrópico é o nome dado aos compostos que supostamente aumentam o desempenho cognitivo do cérebro humano.

O termo foi criado em 1972 para categorizar o Piracetam, uma droga que aumentaria a capacidade intelectual sem efeitos colaterais.

Boa parte dessas smart drugs são substâncias conhecidas, com cafeína, creatina e vitamina D.

Mas também existem drogas que aumentam o fluxo de sangue para o cérebro, promovem a neurogênese ou possuem ação estimulante.

O diretor de engenharia do Google, Ray Kurzweil, é o nome de maior autoridade a defender o uso dos nootrópicos. Ele diz tomar mais de 100 suplementos todos os dias.

Kurzweil é reconhecido como um gênio, tendo inventado aplicações inovadoras nos campos de reconhecimento ótico de caracteres, síntese de voz, reconhecimento de fala e teclados eletrônicos.

Se isso tem a ver ou não com o uso de smart drugs, é difícil dizer.

Como todas as drogas, os nootrópicos oferecem riscos e efeitos colaterais. Suas consequências a longo prazo ainda não foram testadas e nem há prova científica definitiva sobre sua efetividade.

Isso não impede biohackers de se tornarem cobaias voluntárias, mas o aviso está dado.

Escrito por
Walmar Andrade
Walmar Andrade