Dez Argumentos para você deletar agora suas redes sociais

Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais, de Jaron Lanier

O simples título do livro Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais, de Jaron Lanier, leva a uma breve reflexão: como seria a sua vida se você não tivesse mais uma conta no Facebook, no Instagram, no Twitter ou em qualquer outra rede social?

Certamente você perderia o contato com algumas pessoas, ficaria por fora de algumas informações, não participaria de diversas discussões públicas. Mas, o que você ganharia?

Jaron Lanier, programador conhecido por ser um dos maiores especialistas em realidade virtual, argumenta que você ganharia algo muito mais valioso: a sua própria liberdade.

Para o autor, usar redes sociais assemelha-se a se colocar voluntariamente em uma jaula para ser observado continuamente por empresas que querem mudar o seu comportamento.

O problema não está no núcleo das redes sociais em si. Conectar-se com amigos, ver fotos ou ler mensagens de poucos caracteres a princípio é inofensivo.

A grande questão está no modelo de negócios dessas redes sociais. Um modelo de negócios baseado em vender os seus dados a publicitários cujo objetivo é mudar o seu comportamento para que você compre um produto, contrate um serviço ou até mesmo vote em determinado candidato nas próximas eleições.

Este modelo de negócios requer que as pessoas continuem usando as redes sociais, por muito tempo e de forma engajado. Isso acaba incentivando comportamentos extremistas, viciando os usuários e gerando toda sorte de problemas mentais.

Se você está curioso, eis a lista com os dez argumentos:

Vejamos, então, em detalhes, cada um dos Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais.

Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais #1: Você está perdendo seu livre-arbítrio.

Você tem no seu bolso ou na palma de sua mão um aparelho de monitoramento contínuo. Tudo o que você lê, ouve, escreve, fala, clica ou compra está sendo monitorado, medido, analisado. E todos esses dados serão utilizados para prever os seus próximos passos e mudar o seu comportamento.

Boa parte desses dados são obtidos através das redes sociais. Esses aplicativos supostamente gratuitos que permitem que você entre em contato com outras pessoas, veja fotos, compartilhe memes na verdade cobram um preço para você os utilizar. E esse preço é pago na forma de dados pessoais.

Repetindo uma máxima do Vale do Silício, Jaron Lanier escreve em Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais que você não é o cliente das empresas proprietárias das redes sociais. Você é o produto.

Os clientes, na verdade, são os anunciantes que pagam às redes sociais para obter os seus dados e assim direcionar uma publicidade feita especificamente para você. O objetivo é fazer com que você tome uma ação, que pode ir desde algo inocente como comprar um sapato até algo mais sensível como votar em certo candidato.

Jaron Lanier reconhece que esse sempre foi o objetivo da publicidade. No entanto, antes do surgimento das redes sociais, a publicidade não tinha as ferramentas técnicas para microdirecionar suas mensagens para grupos muito específicos de pessoas.

Se antes era preciso pagar milhões por um espaço de trinta segundos no intervalo do telejornal, hoje com pouco dinheiro qualquer empresa consegue comprar os seus dados pessoais e direcionar uma mensagem específica para tentar manipular as suas ações.

Para que esses dados sejam úteis, eles precisam ser gerados em grandes volumes. Por isso as redes sociais foram projetadas para serem viciantes, utilizando recursos conhecidos de jogos de azar, como as recompensas imprevisíveis ou aquilo que o ex-presidente do Facebook Sean Parker chama de “social-validation feedback loop”.

O autor lembra que muitos executivos do Vale do Silício, incluindo figurões como Steve Jobs, não deixavam seus filhos usarem eletrônicos e até os enviavam para escolas Waldorf, onde esses aparelhos nem são permitidos.

O próprio Lanier diz que não usa redes sociais por conta dos mesmos motivos pelos quais não usa drogas. O vício nesses aplicativos isola pessoas, fragmenta a atenção e prejudica a atenção, podendo causar distúrbios como transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), transtorno de personalidade limítrofe (borderline) e Síndrome de Burnout (ver Sociedade do Cansaço).

#2: Largar as redes sociais é a maneira mais certeira de resistir à insanidade dos nossos tempos.

No segundo dos dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais, Jaron Lanier apresenta um conceito que será usado no restante do livro: a ideia de que redes sociais são Bummer.

Bummer pode ser traduzido como chatice, decepção, vadiagem. Mas no livro a palavra é utilizada como uma sigla para Behaviors of User Modified, and Made into an Empire for Rent (Comportamentos de Usuários Modificados e Transformados em um Império para Alugar).

O autor pede para que pensemos na Bummer como uma máquina de modificar comportamentos, compilar dados pessoais e vender esses dados para que as empresas obtenham lucro.

Tal máquina de mudança de comportamentos tem seis componentes, que vão das letras A a F:

Segundo o livro, algumas empresas, como Facebook ou Google, utilizam todos os seis componentes, enquanto outras, como Reddit ou 4chan, usam apenas alguns dos componentes.

Jaron Lanier defende que você não precisa parar de usar completamente a internet ou o seu smartphone, mas deve evitar usar empresas Bummer. E, sim, isso inclui o Google.

Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais #3: As redes sociais estão tornando você um babaca.

Jaron Lanier, autor de Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais

Lanier argumenta que os algoritmos das redes sociais tendem a privilegiar conteúdos extremistas, pois são esses conteúdos que geram mais engajamento, promovem discussões e mantém os usuários mais tempo em frente às telas.

É neste ponto que entra em evidência o componente A de Aquisição de Atenção que resulta na supremacia do babaca.

Quando os algoritmos privilegiam esse tipo de comportamento, colocando por exemplo um vídeo polêmico ou uma matéria com clickbait na aba de conteúdos em destaque, outras pessoas tendem a reproduzir esse comportamento na esperança de obter destaque.

A tendência humana de seguir a manada, nesse caso, acaba gerando um grupo de extremistas que se retroalimentam. As redes sociais encoraja esse comportamento de manada ao privilegiar gatilhos de prova social, como quantidade de amigos, de likes ou de visualizações.

#4: As redes sociais minam a verdade.

Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais foi publicado em 2018, quando o escândalo da Cambridge Analytica e a manipulação da eleição do presidente Donald Trump já haviam acontecido. Com isso, o tema da desinformação e das fake news ganhou lugar de destaque entre os dez argumentos.

Jaron Lanier, no entanto, vai um pouco além da desinformação como ela é usualmente compreendida.

O autor critica, por exemplo, o uso de robôs e contas fake para impulsionar vendas, gerar comentários elogiosos a profissionais que disponibilizam seus serviços na internet ou praticar brushing (deixar comentários positivos sobre produtos a partir de contas falsas).

Algumas vezes, os fakes estão nas duas pontas do conteúdo: no emissor e na mensagem. Isso acontece quando contas falsas (robôs) são utilizadas para espalhar fake news em um volume que permita que essas mensagens falsas chegue obtenha destaque entre listas como os trending topics do Twitter ou os vídeos em alta do YouTube.

Esse mecanismo é utilizado para espalhas teorias da conspiração que causam danos no mundo real, como as campanhas de desinformação sobre vacinas, por exemplo.

Tudo piora quando as notícias reais, em busca de viralizar e entrar também nos trending topics, começam a utilizar artifícios semelhantes, como clickbaits, sensacionalismo e fotos impactantes. Isso gera confusão na cabeça dos usuários, que cada vez mais têm dificuldade em distinguir o que é fato e o que é fake.

Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais #5: As redes sociais transformam o que você diz em algo sem sentido.

Imagine o que aconteceria se alguém pegasse uma frase que você disse dez anos atrás, totalmente fora de contexto, e a utilizasse em uma discussão atual.

O contexto sempre foi algo de extrema importância para a comunicação. No entanto, as redes sociais e seus algoritmos são capazes de retirar de contexto diversas publicações.

Isso ocorre, por exemplo, quando elas montam linhas do tempo personalizadas, destacam partes de um conteúdo ou simplesmente apresentam publicações fora da ordem cronológica. O objetivo, como sempre, é manter o usuário engajado e gerando dados para revenda.

Como dito, essa sobrevalorização dos números de visualizações, de comentários e de likes afeta até mesmo o jornalismo profissional, que sacrifica qualidade do conteúdo e usa artifícios sensacionalistas para tentar se destacar nas redes sociais.

#6: As redes sociais destroem sua capacidade de empatia.

A criação de feeds personalizados, nos quais cada usuário vê uma timeline montada especificamente para os seus padrões de uso, acaba criando bolhas que dificultam o diálogo, a empatia e a compreensão.

Quando cada pessoa vê o seu mundo particular, reforçando a visão já existente, fica difícil abrir a mente a novas ideias, ouvir o outro e ter compaixão com problemas alheios.

Jaron Lanier escreve que os feeds personalizados nos privam de uma experiência em comum, de algo que nos conecta enquanto seres humanos. Privados disso, aumenta a nossa tendência a não entender outros pontos de vista.

Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais #7: As redes sociais deixam você infeliz.

As emoções negativas são a corrente sanguínea das redes sociais. Com essa frase de impacto, o livro tenta explicar porque o uso das redes acaba afetando a saúde mental de muitas pessoas.

Além do já citado problema da falta de empatia e da sobrevalorização de opiniões extremistas, as redes sociais também prejudicam a nossa saúde mental ao permitir constantes comparações com outras pessoas.

Antes da internet, as pessoas se comparavam com seus vizinhos, amigos e colegas de trabalho. Isso já trazia algumas problemas. Com as redes sociais, o problema da comparação foi elevado a uma escala inimaginável.

Agora nós comparamos a nossa saúde com a de um atleta profissional. Comparamos a nossa beleza com a de um modelo de classe mundial. Comparamos o nosso saber com os maiores intelectuais do mundo. Comparamos a nossa riqueza com grandes empresários.

Todo um mercado de influenciadores digitais surge a partir desse vício em comparações. O discurso de que você pode ter tudo, que basta seguir o que essas pessoas fazem, acaba levando a uma sensação de incompetência, de insatisfação, de diminuição.

O estado de relativa infelicidade também é útil para os negócios. Pessoas plenamente satisfeitas com o que têm tendem a consumir menos produtos e serviços, especialmente os supérfluos. A insatisfação, portanto, ajuda as redes sociais a atenderem bem os seus clientes, que são as empresas que nelas veiculam publicidade.

#8: As redes sociais não querem que você tenha dignidade econômica.

As redes sociais fazem dinheiro com os dados que você voluntariamente dá a elas, de graça. E não é pouco dinheiro: as grandes empresas de tecnologia, como Google e Facebook, são apontadas como as mais ricas corporações de todos os tempos.

Uma das maneiras pelas quais as redes sociais ganham dinheiro é fazendo você trabalhar de graça para elas. O autor dá o exemplo do tradutor do Google. Sempre que você usa o tradutor, o Google aproveita os dados que você inseriu para melhorar o próprio tradutor.

O chamado aprendizado de máquina é vendido com uma inteligência artificial de autoaperfeiçoamento, mas na verdade depende muito do uso que as pessoas fazem de seus programas e dispositivos.

Em troca do uso por vezes gratuito dessas ferramentas, nós estamos financiando parte da automação que vai substituindo o trabalho humano por máquinas.

A solução, escreve Lanier, é alterar o modelo de negócios da Bummer.

Uma opção seria usar a proposta de Ted Nelson, que ainda nos anos 1960 sugeriu que os usuários recebessem micropagamentos cada vez que inserissem na rede dados que acabam gerando lucros para as empresas.

Outra opção seria que as redes sociais cobrassem uma assinatura de seus usuários, comprometendo-se a não coletar e vender a terceiros os dados pessoais de seus assinantes.

#9: As redes sociais tornam a política impossível.

Publicado pouco depois do escândalo que cercou a eleições de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos, Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais vê nas empresas de tecnologia uma real ameaça à democracia como a conhecemos.

Os algoritmos que permitem a publicidade microdirecionada acabam segregando grupos políticos, incentivando o tribalismo e favorecendo os extremos do espectro político.

Lanier dá o exemplo das conquistas da comunidade LGBTQI+ nos Estados Unidos até 2016. Neste ano, por conta do uso de publicidade microdirecionada, as conquistas começaram a diminuir de ritmo ou até mesmo serem revertidas por conta da eleição de vários políticos reacionários com pautas anti-LGBTQI+.

Paradoxalmente, quanto mais um movimento político se fortalece online, mais fácil fica para os anunciantes identificarem seus participantes, agruparem os indivíduos e utilizarem publicidade microdirecionada para impor a pauta desejada.

#10: As redes sociais odeiam sua alma.

Em seu último argumento, o livro diz que as redes sociais constituem um novo framework espiritual que transforma os seres humanos em algo que pode ser hackeado.

Aqui o autor traz preocupações semelhantes às apresentadas por Yuval Noah Harari em livros como Sapiens, Homo Deus e 21 Lições para o Século 21. Essas preocupações incluem a possibilidade de a sociedade como um todo estar sendo manipulada para atender aos interesses de quem tem como viabilizar publicidade direcionada a mudar comportamentos.

Lanier compara as empresas Bummer a uma religião. A um sistema organizado capaz de influenciar e guiar milhões de pessoas de acordo com os dogmas definidos por um pequeno grupo, que raramente se revela ou que fala através de algo abstrato como um deus.

Além disso, as empresas de tecnologia se dispõem a responder perguntas espirituais como a razão da existência humana, o propósito da vida ou o que existe após a morte. As respostas sempre giram em torno de otimizar a vida, de organizar toda a informação do mundo, de basear tudo em análise de dados.

Com isso, o corpo e a mente humanos tornam-se algo meramente hackeável e otimizável, sem espaço para contemplações, reflexões ou pensamentos que fujam da lógica dos dados. Para as empresas Bummer, não passamos de um conjunto de algoritmos com determinado comportamento, cujo valor é definido pela quantidade de likes que conseguimos.

Devemos deletar nossas redes sociais?

Como se vê, Jaron Lanier é um feroz crítico do atual modelo de negócios das redes sociais (veja a participação dele no documentário The Social Dilemma, caso ainda tenha dúvidas).

A ferocidade não deixou espaço no livro para o outro lado, ou seja, para os benefícios das redes sociais.

Facilmente seria possível alguém escrever Dez argumentos para manter suas redes sociais, citando vantagens como conexão com pessoas distantes, busca de oportunidades profissionais, exibição do próprio trabalho, acesso a conteúdos de nicho disponíveis apenas nessas redes, viabilização de negócios, participação no debate público, pura e simples distração etc.

Ainda assim, mesmo que não se decida pela exclusão das contas nas redes sociais, os argumentos de Lanier fazem pensar e podem levar a um uso mais moderado e consciente dessas redes.

Escrito por
Walmar Andrade
Walmar Andrade